terça-feira, 28 de junho de 2016

Aproxima-te criança...

[Witch Spell by Alessandro Poli]

Correu pelo campo até à orla da floresta, onde parou prontamente com um medo copioso na sua cabeça, ouvindo a voz da sua mãe, vezes e vezes sem conta na sua cabeça, avisando-a para não se aproximar do desconhecido. A tentação de tocar nas árvores, nos ramos, nas folhas, de calcar o proibido, colocaram em dúvida as pernas da menina curiosa. Se entrasse, podia perder o rasto de migalhas, mas ao mesmo tempo, entrar por uns segundos não fariam mal a ninguém, e a mamã não precisaria de saber desta estranha aventura que se sentia até na barriga.
Olhou para trás, confirmando a ausência do adulto e penetrou o bosque, pé-ante-pé, nervosa e cuidadosa. Trepou uma árvore tombada, afastou alguns ramos da face e deparou-se com uma porta em arco numa larga árvore. Um arrepio percorreu-lhe as costas e eriçaram os cabelos da nuca. Afastou-se, com desejo de voltar a casa e num virar de cabeça, a escuridão absoluta abateu-se sobre toda aquele zona, distinguindo fracamente as silhuetas das árvores.
Ouviu nas suas costas um chilrear animado, seguindo-se um trovão e o som da chuva. Estranhamente não sentiu uma única gota bater no seu corpo, mas os pêlos gritavam aterrorizados. Estava apavorada até à alma.
A natureza iluminou-se então de vermelho, projectando a sombra do seu corpo num arbusto à sua frente. A porta brilhava, parecendo ter um universo de estrelas cintilantes como enfeites.
-- "Aproxima-te criança..." -- pediu docemente a porta, que vagarosamente, despertando de um sono profundo, ganhou olhos e boca.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [47]

[Red lips - Pinterest]

[1] | [2] | [3] | [4] | [5] | [6] | [7] | [8] | [9] | [10] | [11] | [12] | [13] | [14] | [15] | [16] | [17] | [18] | [19] | [20] | [21] | [22] | [23] | [24] | [25] | [26] | [27] | [28] | [29] | [30] | [31] | [32] | [33] | [34] | [35] | [36] | [37] | [38] | [39] | [40] | [41] | [42] | [43] | [44] | [45]
Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [46]

-- Porque gritas tanto? Porque esperneias tanto? Tu pediste isto, lembraste? -- removi o pano de entre os dentes. Respirou fundo, sem tirar a olhar de mim, e disse com dificuldade:
-- A minha filha não era para aqui chamada! Conheces a minha rotina, sabes bem que hoje não era o dia mais indicado, principalmente porque Madalena vem cá a casa!
-- Mas minha querida, hoje é o dia perfeito! Hoje é o dia da tua morte...
Ela rasgou as pupilas, num brilho intenso, de choque. As bochechas ficaram pálidas, seguindo-se tudo o resto como um fogo. Enfiei-lhe o trapo goela a baixo e soltou os seus típicos guinchos, enquanto me via sair do quarto, de faca na mão, imaginando o pior. Desci as escadas e abri a porta da dispensa, onde as duas meninas se abraçavam.
-- Vem comigo. -- pedi ao rebento, já menos assustado, de olhos vermelhos e secos. -- Vem comigo, ou mato a tua mãe! -- sussurrei ao ouvido.
-- O que vais fazer? -- perguntou a Joana. Agarrei no braço da miúda e puxei-a para mim. -- O que vais fazer com a Carolina!? -- exigiu num grito.
-- O inimaginável! -- respondi-lhe. De costas para ela, senti uma dor aguda nas costelas. Quase caí ao chão. Virei-me para ela e defendi um segundo murro. A cachopa foge-me entre os dedos e entro numa luta de submissão, e controlo, por uma pequena colher que lhe tiro da mão com um soco no peito. Arranco-lhe o ar dos pulmões, ela arfa de olhos abertos como um cavalo assustado e cai em cima de uns sacos de batatas. -- Desiludes-me! Volto, quando acabar o que viemos fazer. -- Tranquei a traidora adolescente e corri para o quarto principal. Sem esperar, vi o botãosinho ajudar a mamã a tirar as ultimas cordas do braço esquerdo.
A faca reflectiu nos olhos da criança emocionalmente violada.