quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Não esperes...



Quando um dia quiseres estar ao meu lado, já outra tomou o teu lugar, o meu beijo, o meu abraço, o meu carinho, a minha dedicação, as conversas e as caminhadas. Na altura em que ganhares finalmente coragem, chegarás junto de mim fora do tempo, atrasada. Apareço à tua frente como alguém já conquistado, deslumbrado, apaixonado, decidido e completo. Quando perceberes que esperei por ti, e não vieste porque esperavas que me tornasse alguém maior, alguém mais interessante ou mais "homem", descobrirás lá no fundo, na verdade, não me amavas o suficiente para partilhar a minha inocência comigo. Saberás um dia, que o tempo em que esperavas que eu me tornasse algo mais, para te satisfazer as tuas necessidades e exigências, perdeste o sonho entre os dedos, o anel, os filhos e as aventuras. Porque querias ser uma princesa, viver o sonho de menina, devorar dinheiro e ter um luxo a que sempre te habituas-te ou morres de desejos por saborear.

Debruçaste-te sobre o lago e viste um sapo feio coaxar. Sozinho numa folha de nenúfar demasiado tenra para a pança dele. Fizeste uma careta e viraste costas. Achas-te que aquele não era o teu sapo. Que haveria outro mais bonito, ou outro com algo mais, que te desse o "tlim". Aquele sapo, feio aos teu olhos, solitário, sem amigos, sem nada para te oferecer, e que te causava sérias dúvidas sobre se ele seria capaz de te fazer feliz, permaneceu no lago, sentado em cima do nenúfar, a coaxar para elas, que passeavam ao lado de namorados que não as entendiam, que não as ouviam ou amavam. Com o tempo, tornaste-te em mais uma rapariga amargurada, um pássaro preso para sempre no gelado inverno que crescia no teu coração, entre cada palavra fria ou muda, daquele que julgaste ser o sapo mais bonito. E andas-te assim, e continuas, a acreditar que um dia esse teu sapo muito bonito se transforma num príncipe, ou por magia, num cisne esbelto, que te ouça com o coração, te agarre nas mãos e te leve de balão a ver o mundo que criaste no seu peito, os sonhos, as conquistas, os sorrisos e os momentos únicos. E ainda que andes sozinha, e vejas em mim um sapo à espera que se transforme num cisne, continuarás a ser o sapo sentado em cima do nenúfar que nunca quis saltar por pensar que o mundo não é bom o suficiente para ti. O que te faltou, foi ouvi-lo.

Não esperes, não fujas, não tenhas medo nem vergonha.
Senta-te, olha-me, fala-me, partilha.
 Porque quando um dia quiseres estar ao meu lado... já eu faço alguém feliz todos os dias.

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Quando eu não gostar...

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Acordar ao teu lado...


Virou-se de novo na cama e levei com os cabelos na cara. Perfumados, gentis, como uma mão leve no meu rosto. Devagarinho, como um murmúrio, abracei-a repousando a minha mão na sua barriga e beijei o pescoço desprotegido. Riu-se. Encolheu os ombros com cócegas e virou-se para mim de sorriso meigo no rosto, uma mão entrelaçou-se debaixo dos cobertores e a outra afastou um cabelo do rosto com dois grandes olhos dorminhocos. Acordei-a. O sorriso acalmava-me, prendia-me à cama que se aquecia entre as cortinas afastadas, por um sol renascido, quente, vibrante e primaveril.
Com a pele exposta, recarregou as energias como um girassol e espreguiçou-se esticando os braços no ar. De barriga exposta, o umbigo redondinho tornou-se alvo de pequenos beijos, lambidelas e algumas cócegas que a fizeram decompor-se em gargalhadas contagiantes. Sentia-mos-nos crianças outra vez.
Os braços caíram sobre os meus ombros, enrolando-se à volta do meu pescoço como tentáculos de peluche e beijou-me a testa, o nariz, as bocejas, os lábios, o pescoço... devorou-me gulosamente. Os seus dedos dançaram sobre o meu rosto, enquanto as minhas mãos decoravam a sua face, criando uma imagem negra da sua cara perfeita. Tenho medo de quando perder a minha visão e deixar de ver a tua cara. Tenho medo quando perder a audição e deixar de ouvir a tua voz. Tenho medo de morrer e deixar para sempre de respirar ao teu lado, de rir, sorrir, beijar, amar-te, conhecer-te, proteger-te, tocar-te, sentir-te, assim como és, perto de mim.

Sabe tão bem acordar ao teu lado...

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Colecciono raparigas mortas...


Eu colecciono raparigas mortas. Raparigas com pele de porcelana, branca como a neve, de cabelos compridos e olhos suaves. Gosto de as vestir, de as enfeitar e fantasiar. Lavo com cuidado os corpos em decomposição, aventurando a minha esponja em todas as curvas do seu corpo, que me sensebilizam e me fazem um admirador envergonhado mas acérrimo da sua beleza feminina. Dou um lanche em familia e sento-as todas juntas para um chá e uma conversa. Fodo-as e às vezes "faço amor", cada uma como se fosse minha namorada, minha mulher, minha amante. Adoro deitar-me com os seus corpos frios, no sofá toda a manhã, cheirar os seus cabelos e penteá-las, cuidar do batom nos lábios e da maquilhagem nos olhos. Cuidá-la e tratá-la. Protegê-la! Durmo então agarrado, abraçado, num carinho em que a envolvo a ela e a mais ninguém, sentindo a temperatura do corpo descer, a palidez da sua pele se tornar cada vez mais branca e os músculos perderem a força.
Adoro quando a vida lhes sai do corpo, dos olhos e o seu grito se torna mudo. O sorriso, doce, esmorece, enquanto o ar se evapora dos pulmões como um murmúrio. Ter as mãos à volta do seu pescoço dá-me tanto prazer...

Queres fazer parte da minha colecção?

Parte da história de:
Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te...

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Inspiração:
I collect dead flowers by marshmallow-child

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [3]




-- Leve o que quiser mas não faça mal à minha filha! -- chorou ranhosa a mãe ofegante. A tensão arranhava-se pelas paredes com o desespero a sair-lhe pela boca. As mãos trémulas daquela mulher escondiam a filha por trás de si; Os cabelos, a criança, mas não desligavam o som do seu choro. Um choro infantil, amedrontado. Harmonioso, caloroso, feminino, tresandava a medo, aflição, pedia carinho e atenção. Crianças... adoro-as!

A escuridão escondia-me a cara e a lâmina brilhava ténue com a luz de um relâmpago. Sentia-lhe o som, a vibração, o peso. Apertei com força o cabo e as luvas denunciaram-se, num tom que se assemelhava ao esticar de uma corda. Olhei para o lado esquerdo e numa fracção de milisegundos calculei a distancia da minha mão direito ao móvel, a altura, o angulo, e cravei com força a faca naquela madeira reluzente, velha e escura. Parte de uma colecção antiga que os teus pais, abastados, compraram num leilão de um palacete à venda. Bonito móvel não haja dúvida, mas faz-te velha! O som ecoou pelos ouvidos das duas ovelhinhas, que as acordou num sobressalto.
Caminhei sobre os cacos da porta e as duas meninas enroscaram-se uma na outra de tal forma, que por momentos julguei que a mais pequena se tinha enfiado debaixo da cama. Incapazes de se mexerem, com a falta de coragem que é tão característico desta espécie animal, a fêmea, deixaram-se estar, a chorar e a agarrarem-se mutuamente. A pequena olhou para mim com um olhar tão profundo de horror e medo que qualquer pessoa dita normal seria incapaz de lhe bater ou ralhar. Mas eu não... Aquela expressão de terror entrava pelo meu cérebro a toda à velocidade, seduzindo-me, provocando-me. Senti uma forte chapada no rosto. A mãe galinha erguia-se e empurrava-me para longe da sua "mais que tudo", e desmanchei um murro no seu estômago. Caiu na cama, testemunhando um rapto breve da sua filha. Agarrada pelos braços, com as pernas a pontapear tudo o que conseguia, tranquei-a no armário, onde cobardemente, e fora do tempo, gritou em plenos pulmões e esmurrou com corpo de rapaz, a porta do guarda-fatos e um pedido de ajuda que avançava à velocidade de um caracol.

O pedaço de mulher estendia-se na cama, quase inconsciente e sem forças, vestida, mas não por muito tempo. Aquelas cuecas de renda, que fazia combinar com o sutiã eram a roupa que lhe ficavam melhor naquele momento. Transpirava de sensualidade. Os cabelos ondulados e o olhar de carneiro-mal-morto tornaram-se um convite. Levantei-a.
As mãos à volta do pescoço engasgavam-na. Fiz-la olhar no espelho, aterrorizada, para deslumbrar e intoxicá-la com a sua própria expressão que tanto contrastava com o meu pequeno sorriso de olhos brilhantes.
-- Olha. Até borrada de medo és linda! -- fechou os olhos, chorou, soluçou, amedrontou-se. As mãos desapertaram o ragote, segurei-lhe nos cabelos compridos, junto à testa, enquanto a outra sentia a sua própria saliva deslizar-lhe através daquela traqueia tão bonita. Um pescoço feito de ceda, de luxo, enfeitado com um laço vermelho.
O olhar dela criava uma pressão no ar, que crescia e se ia sentido pesar naquele quarto iluminado pela tempestade lá fora. As lágrimas que lhe caiam pela cara já vermelha intensificavam o ambiente cada vez mais angustiante. Estampava-se nas bochechas rosadas, a aflição da morte, que lhe descia pelas goelas como uma grande nó em seco difícil de engolir, de respirar.