segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Tenho esperança...


Não olhes para mim como se o mundo fosse acabar. Não olhes para mim como se um adeus não bastasse. Não basta, mas será breve. Crio esperança de te voltar a ver; Recordar a face rosada de sorriso apaixonado, o calor e a fragrância do teu corpo, o sabor da tua pele, a cor da vergonha.
Ouvir-te nesta hora tardia, de lágrimas no rosto, a soluçar um sofrimento antecipado, destrói-me, adoece-me. E é então este abraço apertado que me dás de despedida, que nos arranca a força das pernas; Não estou preparado para te ver sofrer, fazeres das tripas coração por só mais uns minutos comigo.
Que todas as minhas cartas de amor te toquem o coração e te libertem da angústia em que te deixas engolir. Que as minhas palavras te relembrem do que somos, das cores com que pintamos a vida.
És a recompensa mais valiosa, o sonho mais marcante, neste momento em que o sol deixa de brilhar.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [44]


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Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [43]

A faca atravessava o peito da inimiga, que soluçava sangue da boca, olhando fixamente para o tecto enquanto o frio lhe percorria o peito. Sentia o coração bater cada vez mais devagar e a respiração arfante de Joana mesmo ao seu lado.
Cuspiu-lhe em cima. Olhou para as suas mãos, pintadas de sangue e esfregou-o na própria cara. Tinha libertado o monstro; Encontrado a raiva perdida do seu animal interior.
-- "Vou matar o Gonçalo!" -- decidiu.
Vitoriosa, afastou-se, desligou o aviso do telemóvel e procurou uma casa de banho, em especial com chuveiro de água quente. Despiu-se, evitou confrontar-se no espelho mas foi capaz de reter uma breve imagem de si, da sua cara pintada, das mãos e dos braços salpicados. A água bateu-lhe na nuca, desceu os cabelos e cobriu o corpo em forma de abraço caloroso. Sentiu algo na consciência, um peso de culpa, mas uma grande satisfação na morte. Na raiva extravasada, no ódio infligido, na morte assistida. Os gritos e grunhidos da vítima agarravam-se às suas pernas trémulas, mas a satisfação que era saber que a causa da morte da mãe estava agora morta, que se tinha feito justiça... parecia que todo o peso e saudade do mundo lhe aliviavam as costas, os ombros, as dores de pescoço. O seu corpo renascia. O valor da vida nunca lhe tinha sabido tão bem. O duche de breves minutos libertavam-lhe a mente do casulo, do castelo que fizera crescer. A água lavava da cara não só o sangue mas todas as máscaras que usara até àquele pequeno momento de vislumbre. Tirar a vida, bem merecida, deu-lhe uma razão para viver e saborear. 

Banho tomado, olhou para o relógio: O assassino estava a demorar-se. Junto a uma parede, abriu um cacifo alto, velho e em ferro, onde encontrou um maço de tabaco de uma das vítimas. Ao lado, em pequenos sacos de plástico com fecho "zip", amontoavam-se os bens pessoais das vítimas do seu futuro namorado. Pareciam provas de crime, o que de facto eram! Se alguma vez alguém as encontrasse ou fossem entregues à policia, especialmente as cartas de condução ou documentos de identidade de cada um dos sacos de carne e osso, à polícia, facilmente iriam relacionar as imagens e os nomes com as mais de 30 pessoas desaparecias nos últimos 10 anos.
Retirou um cigarro, com o filtro branco marcado por batom, e acendeu-o. O prazer inflou-lhe o peito, em cada um dos pulmões, e com o fumo a querer sair expirou uma epifania que lhe subiu ao cérebro. Segregava tanta dopamina com um só "travo" -- do cigarro -- que o prazer da acção se associava à memória curta: os olhos perderem o brilho e a cara estagnar numa só expressão.
Olhou para trás, para a montra da morte, e com um certo escárnio nos olhos odiou o corpo defunto, de lábios roxos.
As câmaras continuariam a gravar até deixarem de ter espaço no cartão de memória.