quinta-feira, 30 de julho de 2015

Uma geração sem limites...


Antes de começar a abordar este tema, tenho de admitir que sempre critiquei os pais e esta geração de jovens que nasce com ipads, internet e telemóveis na mão.
Talvez por inveja, porque no meu tempo, na primária, não havia telemóveis, nem internet ou TV Cabo. Depois do ano 2000 só tinha telemoveis e consola de jogos quem era rico. Internet e TV Cabo? Era um luxo!

Mas como dizia: não me posso esquecer de que quando andava na primária, começaram a aparecer os primeiros Gameboys (a preto e branco com o tão famoso jogo: Pokemon) e a PlayStation. Anos mais tarde surgiu a internet e as crianças deixaram de ir jogar á bola.

A 3ª geração de Baby-Boomers, que nasceu no pós 1990 e 2000, apanharam uma sociedade já em grande desenvolvimento e mudança. Um mundo que se tornava a cada dia mais tecnológico, mais consumista.
Lembro-me do dia, num natal, quando o meu pai recebeu o 1º telemóvel, por volta do ano de 1995. Tinha eu nessa altura 5/6 anos e acabara de entrar na escola primária. O meu pai não tinha dinheiro para comprar um, mas quem lho ofereceu tinha dinheiro para comprar mais 3 ou 4.
Por isso, quem tinha acesso a um, na altura, podia-se gabar de um luxo que nem todos tinham.

Hoje os miúdos têm acesso a tecnologia que não tivemos na nossa infância e adolescência, da mesma forma proliferada e facilmente acessível como agora. E é precisamente esta facilidade e irreverência/irresponsabilidade ou imaturidade para com estas coisas com o qual crescemos a ver evoluir, como foi o caso dos Walkmans que mais tarde foram trocados por Leitores de CDs e pelos Headphones que se foram tornando mais pequenos e os computadores mais potentes e pequenos, acompanhado-os mais tarde os monitores dos mesmos, e o aparecimento de portáteis mais finos e potentes.
No entanto, esquecemos-nos de que somos também utilizadores "intensivos" -- uns mais do que outros --  destas novas tecnologias. Ninguém seria capaz de organizar e fazer a sua vida sem internet, telemóvel ou televisão, hoje em dia.
A facilidade que se tem em ver um filme, ouvir uma música, partilhar um poema ou ler uma tese é o ponto fulcral da nossa vida. Tudo gira à volta desta tecnologia. O tipo de actividade que os nossos pais da década de 60/70 tiveram é sem dúvida completamente diferente daquela que nós, dos anos 80/90 tiveram, mas somos hoje, alguns, mais capazes que os nossos pais. Hoje temos uma capacidade cerebral maior -- alguns nem por isso -- precisamente por termos recebido o estímulo de jogos mais interactivos e fáceis de manipular.
O que devemos ter em conta, é a facilidade com que as crianças que nascem neste novo mundo de interactividades de Homem-Máquina, se podem tornar viciadas a elas. É um mundo incrível que irá moldar o nosso mundo, por moldar a nossa mente, mas deve ser utilizado com precauções.

Este debate é um pouco como o Vinil vs CD. Ainda hoje em dia existem pessoas que preferem comprar em Vinil precisamente porque a tecnologia é melhor e mais fiável ao longo dos anos. Cada um tem a sua visão e opinião. Os seus prós e contras. Mas é importante percebermos que estes dois "opostos" servem cada um dos grupos alvos a que se direciona. Da mesma maneira que existe gente que prefere ler um livro num iPad e outros que preferem o toque do papel e o cheiro do livro.
Não é por serem "antiquados", mas porque existe um tipo de interacção completamente diferente. E são esses tipos de interacção, física e não apenas psicológica, que deve ser tida em conta quando os pais da criança estimularem e desenvolveram os interesses da criança.

Não posso deixar de tocar também num assunto que é a fotografia. Hoje tão facilmente acessível para todos. Numa questão de segundos, partilhamos fotos que tirámos naquele exacto momento. Já não precisamos de esperar 1 semana, ou duas, depois das férias acabarem, para as levar a um centro de fotografia e de as revelar. Poupamos milhares todos os anos.
Na altura em que estudava, já no 10º ao 12º ano, não havia sequer a ideia de tirar "selfies" a toda a hora, como testemunhei um dia na escola profissional onde estudei em que uma miúda de 16 anos, na hora do intervalo e dentro da sala, tirava uma foto a si mesma, com uns quantos colegas a estudar atrás. A facilidade e a falta de vergonha que esta nova geração emite é gritante para mim. Não perdíamos tempo com fotos a não ser que fossemos a sítios especiais, de férias, em grupo, ou viagens de estudo, de férias, o que não fosse habitual fazermos. Porquê? Porque o rolo tinha limites de fotos.
Já não sei como são as viagens de estudo destes novos jovens, mas quando ía, tentava sempre tirar algumas fotos ao local e a certos pontos de interesse ou então colocava-me em foco para ter uma "prova" de que estivera lá, para me lembrar de pequenos detalhes ou de algo que tinha gostado. Hoje provavelmente, durante toda a viagem e visita passam o tempo todo a olhar para os ecrãs, a enviar mensagens e a tirar "selfies". Acabando por tirar "fotografias" a tudo menos ao que é interessante para recordar um dia. Quando um dia tiverem filhos -- cruzes credo! espero que não!! -- estes jovens vão mostrar "fotografias" de locais lindíssimos escondidos pela sua cara a fazer caretas, com a língua de fora ou a fazerem poses, porque na altura era "cool" e todos faziam. Vão perder memórias. Vão perder emoções, sentimentos, amizades e valores sociais. Estarão para sempre ligados ao mundo mas sem realmente comunicarem com os outros de forma eficiente.

What Do People Do With Photos of Food?

A geração de hoje não enfrenta os mesmos limites que a minha geração enfrentou. Os gameboys só tinham 6/7 jogos e eram a preto e branco. Mais tarde apareceram a cores mas já se tinha de comprar jogos novos. Trocar pokémons, entre as consolas, foi uma coisa tão incrível e dispendiosa, que na minha escola primária só havia 1 ou 2 crianças, em quase 80, que tinham o cabo para o fazer.
Hoje nada tem limites. Numa questão de dias e semanas aprendem as mesmas coisas que eu levei anos a aprender, a descobrir e a pesquisar. A facilidade que têm em aprender inglês é outras das quais me deixa com uma tremenda inveja. Tive de aprender fora da escola, com a ajuda do meu pai, de alguns jogos (Magic The Gathering) e VHS da Rua Sésamo.
Passou a ser obrigatório todos terem o 9º ano, e anos mais tarde o 12º.
A minha geração viveu um tempo de ignorância, que só podia ser colmatada com livros da biblioteca pública ou privada e com documentários que passavam na SIC, ou para os mais sortudos: na TV-Cabo.

Os bonecos deixaram de ter o mesmo impacto. Aliás, julgo que as crianças já nem brincam, preferem passar o tempo em frente à televisão a devorar o mesmo DVD vezes e vezes sem conta ou a jogar no iPad/Tablet do pai ou da mãe. De sair para o shopping em vês de passar uma tardada de bicicleta ou a brincar, nem que seja num quarto de brinquedos.
Neste aspecto tenho de ser sincero. A minha geração, dos anos 80-90, testemunhou a melhor publicidade de brinquedos, que era feita pelo continente com a Lipoldina. Havia brinquedos para tudo!!! Vendiam-se legos muito mais baratos e os action-men compravam-se em separado dos carros, helicópteros e acessórios. Vendiam-se todo o tipo de brinquedos, cada um mais estranho que o outro. Hoje vendem-se mais telemóveis do que caixas de lego.
A falta de brinquedos na vida das futuras gerações irá criar um fosse largo e fundo de sentimentos entre as gerações anteriores; E talvez o mais gritante será a falta de respeito pelos objectos, pois serão tão consumistas e tudo se compra e tem com tanta facilidade que tudo é substituível e de pouco valor. Acrescentando a isso a falta de interacção com as outras crianças, que sempre ajudou a desenvolver a nossa comunicação com os outros. A sociabilização torna-se algo desnecessário ou secundário.
As crianças já não perdem apenas tempo com desenhos animados, o resto da sua infância ocupam-no com actividades físicas, internet e jogos no telemóvel.
Tudo o que têm hoje é apenas vontade de tirar "selfies" e ser sociável. Terem valor na sociedade, sem saberem que as memórias e os momentos "únicos" e especiais irão durar mais que uma foto parva tirada num momento estúpido de "tesão de mijo" ou um jogo no tablet que de nível em nível se repete infinitamente sem criar e desenvolver o pensamento abstracto, analítico e a imaginação.

Li algures, que devido ao elevado uso de internet, a interacção social tem diminuído drasticamente, e que com isso, os jovens e os adultos, por falarem e partilharem-se cada vez menos têm-se tornado autênticas crianças, rabugentas, enervadas e stressadas porque ninguém lhes dá valor ou atenção. Começam então a ter atitudes de putos, exigindo e chorando, tornando-se caprichosas e manipuladoras para seu próprio bem. Só pensam nelas porque ninguém faz "likes" nas suas fotos.
A facilidade de partilhar pensamentos contribui em muito para o amadurecimento de toda a sociedade e do próprio mundo, mas quem sofrerá a longo prazo serão estas e as próximas gerações; Que ao invés de mexer na terra, subir às árvores, brincar com bonecos e desenhar, escrever, ler, vão ser fechados em casa pela sua saúde e segurança, alimentando-se de uma publicidade corrosiva que empobrece e empodrece o pensamento de quem a vê.
Aquilo que as pessoas do "Agora" conhecem, é o que passa nos 4 canais da televisão. E se passa, é porque deve ser verdade, e se é verdade é importante.
Estas novas gerações são mais fáceis de domesticar que as anteriores. Se surgi-se uma nova ditadura, Portugal nunca mais se ergueria de novo, num 25 de Abril.

Uma das coisas que faz falta a esta nova geração e sociedade é precisamente aquilo que já tem em abundância mas que não sabem usar nem explorar. Capacidade de argumentação, de expor os seus pensamentos e emoções, quer por palavras verbais que por escrito.
Esta geração já não escreve nem lê, envia mensagens. Já não faz pesquisas nem se interessa em aprender, vai ao facebook que lá há sempre links com estudos da treta e conclusões duvidosas e inconclusivas.
Frequentam a escola, a única "casa" onde aprendem de facto alguma coisa. Não tem educação, porque os pais não a sabem dar e gostam de dar liberdade aos seus filhinhos porque... "É criança... Está na idade".
A falta de música, nomeadamente a variedade, faz-lhes falta. Se eu tivesse passado toda a minha adolescência a ouvir música de pretos, pop e outras porcarias que passam nas rádios de hoje em dia, de hits (disparos) que nos atingem e furam a capacidade de raciocínio, também eu seria problemático como a geração de hoje. Mas felizmente conheci música que me ajudou a extravasar toda a imaturidade, ódio, raiva e confusão sexual sem ter a necessidade de exteriorizar física e verbalmente sobre outras crianças e adultos.
Tive também desenhos animados, em que 80% me ensinavam alguma coisa e outros 20% tipo dragonball, em que podíamos lutar com criaturas no nosso cérebro.
Havia bonecada para tudo e até com as Barbies brincávamos. Cheguei a aprender a fazer roupa para os meus actions-man, a fazer utensílios e armas.
A minha geração, do pré-1990, teve a maior diversidade em brincadeira e cultura geral que alguma vez alguém teve na história da humanidade. Foi quase uma época de Iluminismo. A década de 90 para quem nasceu na de 80, é relembrada ainda com grande nostalgia.
Nós não nascemos com as coisas já nas mãos, muitos de nós mereceram-nas pelas notas ou compraram com o próprio dinheiro.
No meu tempo a minha mesada era para bolos e brinquedos. Aprendi a poupar, se queria alguma coisa. Não tinha telemóvel e quando o tive raramente o usava; E ainda tinha de ter cuidado com o dinheiro que gastava em mensagens, porque se não sai-me da mesada!!!
Hoje têm tudo de mão beijada. Não lutam nem precisam de lutar por nada do que têm nem do que querem ter.


Mas também existem podres na minha geração. A nossa geração, viu a maior taxa de divórcios de que há história. Uma parte tão sombria como a própria inquisição, o que explica o excesso de liberdade que os papás, filhos de país divorciados, dão hoje aos seus. Como não tiveram "amor, carinho e atenção", mas tiveram as maiores regalias por serem comprados por cada um dos pais para que o filho gostasse mais de um que do outro, hoje esbanjam e mimam de forma aberrória os seus filhinhos queridinhos, que não têm culpa, que "estão na idade" ou "é da crise".
Se não querem, não os tenham. Mas também não adoptem por amor à sociedade decadente e em apodrecimento de cultura.
Têm acesso a tudo, menos a inteligência a maturidade.

Não sabem estar, não saíam se casa!

terça-feira, 28 de julho de 2015

Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [38]


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Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [37]

Mãe e filha, uma com lágrimas do fumo espesso que cobria o tecto e pintava as paredes brancas, e a outra que chorava pelos azares da vida, tentavam apagar o fogo com panos e uma panela de água. A progenitora afastou a filha e atirou uma baldada para a frigideira em chamas. O óleo explodiu caindo-lhe numa mão e tingindo-lhe a roupa. Os gritos correram porta fora, perseguidas por um fumo que as obrigava a partilhar um abraço materno à muito esquecido pelas eloquências das novas descobertas. Amor, prazer e atenção. Dedicação, carinho e desabafos.
Em poucos minutos os bombeiros chegaram ao local, onde se depararam com uma casa consumida pelas chamas. À sua volta reuniam-se os vizinhos cujas caras se iluminavam pelas luzes dos veículos de emergência.
Ao fim de quase meia hora o fogo estava extinto. Tinham conseguido salvar o 1° piso, mas as fortes chamas tinham danificado parte do tecto, e antes que pudessem voltar a entrar para retirar o que quer que fosse, teriam de esperar alguns dias até que pudesse ir alguém inspeccionar e certificar-se de que o local era seguro. -- Dias? Isso é para quem tem uma boa cunha. E por muito que fosse esse o tipo de "servicinho" que Madalena estivesse habituada a fazer para escapar a multas ou acelerar certos processos, este dia tinha marcado o fim dessa mulher, dessas tendências objetificadas de si mesma. Ela trabalhava numa empresa de prestígio, não precisava de ser "acompanhante de luxo" fosse de quem fosse e para o que fosse. -- Não havia outra solução, teria de ficar a dormir em casa de alguém.
-- "Ajoelhar-me de novo?" -- pensou para si mesma, enquanto olhava para o número de telemóvel do homem que a fez sofrer. Pressionou o ecrã com o dedo e levou o telemóvel ao ouvido. Tocou, voltou a tocar e tocou de novo.
-- Nem vais acreditar no que me aconteceu! Preciso que venhas a minha casa. Por favor, é urgente! -- desligou a chamada e agarrou-se á filha, chorando, beijando-a na cabeça enquanto a sua casa era invadida por polícias e bombeiros.
A vida não podia ser mais injusta. A filha de pijama, exposta aos olhos dos vizinhos e Madalena num choro que não era normal. Ninguém se aproximou para prestar auxilio nem se ofereceram para ajudar no que quer que fosse. A vizinhança interesseira caia-lhe na garganta num nó tão apertado que os seus olhos falavam pela língua trincada entre dentes. A raiva crescia-lhe no peito, enquanto tentava manter a compostura e a força das pernas.
-- Madalena? -- chamou. A pobre criatura virou-se, largando a máscara que lhe cobria o rosto. Chorou, soltando de si uma dor azeda num estômago sem almoço nem jantar, mastigando em jejum o único café da manhã. Caiu de joelhos no chão. Sentiu o pavimento com um prazer que lhe subia pelos ossos e deixou-se cair de cara, amparada pelos braços da sua chefe, que trazia a filha no banco de trás a dormir.
-- Desculpa! -- chorou-lhe.
-- O que aconteceu Madalena? -- perguntou, associando a casa carbonizada à sua amiga. -- Madalena? Queimaste-te!? -- segurou-lhe gentilmente na mão já coberta por um penso. -- Vou-te levar para casa. -- ergueu-a com ajuda da filha.
Os seus olhares cruzaram-se e o ar ficou espesso. A rapariga não podia acreditar que a amiga da mãe era a mesma mulher com quem tinha estado alguns meses antes, num beco escuro de um shopping.
-- Desculpa, não te queria arrastar para esta situação.
-- Não sejas tonta. Está tudo bem, eu estou aqui. -- levaram-na para o carro e colocou-lhe o cinto. As duas cúmplices sentaram-se com um ligeiro desconforto. A condutora olhou pelo retrovisor trocando de novo olhares com a miudita.
-- "Trabalhamos juntas à tantos anos e nunca conheci a tua filha, ou entrei na tua casa... Não te conheço." -- pensou.


segunda-feira, 20 de julho de 2015

Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [37]


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Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [36]

Roman Grau - Silent Pain Part 3: Silent Pain

Durante a semana, à noite, devorava o corpo de Madalena; insaciável na cama e sempre deliciada com os poemas e a atenção que recebia nos dias em que ficava para jantar. Aos fins-de-semana, passeava com Inês nos braços, por monumentos ou lojas de shopping, onde se perdia loucamente na boca e no corpo da sua mãe. Havia prendas e surpresas. Este homem fazia agora falta na vida de cada uma. Não era uma rotina, era uma necessidade.

Madalena, divorciada, sentava-se na sala, a olhar para o relógio de parede que já não lhe mexia como da primeira vez que o comprou e relembrava-se da razão de querer falar com ele.
-- "Estou farta de ficar em segundo plano! Como segunda opção!". Abri a porta e pedi-lhe para se sentar. Olhei-o nos olhos, séria, e ele não reagiu. É agora!
-- Queria falar contigo sobre nós. Estou farta de ser usada! Farta de ser uma segunda opção! Se queres continuar a estar comigo... Vais ter de a deixar!
-- Madalena, não estragues isto. -- disse-me, tentando manipular a minha opinião e o meu amor por ele. Percebi nesse instante, só pela maneira como me falava e as palavras que usara, que eu seria sempre a sua segunda opção, mas o corpo e os olhos dele diziam algo totalmente diferente e eu não conseguia deixar de o desejar, deixar de me imaginar com ele, com o seu charme, a sua inteligência, o seu sentido de humor e, obviamente, o sexo!
-- Vais ter de decidir! Não te quero dividir com ela! É minha patroa! Será que não posso, por um único e mísero momento da minha vida ser amada com prazer? Com desejo? Sem ter de aceitar partilhar as mãos de quem amo no corpo de outra qualquer? Não tenho direito a ser feliz? Escolhe! Ou eu ou ela!
À porta da cozinha, muito calada e de ouvido bem aberto, cuscava a filha, que sentia no estômago o sofrimento da mãe. As palavras ressoavam na sua cabeça, comparando a sua própria vida com as infelicidades amorosas da sua progenitora mal amada, causando-lhe um mal estar no estômago e um nó na garganta.
-- Falamos melhor sobre isto amanhã. O dia de hoje foi horrível e estás stressada. Precisas de descansar. Telefono-te assim que chegar a casa, está bem? -- aproximou-se de mim para se despedir com um beijo mas virei-lhe a cara. -- Madalena? -- pediu a minha atenção. Olhei para ele furiosa, numa pilha de nervos tal que estava capaz de o matar!
A mãe, com a cara já anunciando um choro, olhou para a porta da cozinha, onde ainda pôde ver a sua filha esconder-se com uma certa preocupação. Os passos do namorado caminharam em direcção à porta e saiu sozinho, deixando-a a olhar para a sua silhueta desaparecer no vidro. Sentou-se no sofá a olhar-se através da televisão, num reflexo distorcido e solitário, rasgando memórias que lhe eram tão doces. O tempo parou dentro daquela casa.
-- MÃE!!! -- gritou a filha numa aflição profunda e rasgada. -- Mãe! A panela pegou fogo mãe!
Madalena levantou a cabeça com os olhos em lágrimas e viu a aflição estampada na cara da filha enquanto fugia de uma cozinha consumida pela luz. Foi então, que quando sentiu a força das chamas tocar-lhe o corpo e queimar-lhe a cara, que se apercebeu da pobre vida que sempre teve, sem grande sorte, sem grandes amores, sem grandes oportunidades, sem grandes sorrisos. Desejou que o Diabo subi-se à terra para a levar ao reino da Luxuria, mas até nesse desejo infantil ela tinha azar. Teria de ser ela a descer...

Se eles respiram, vivem.
Se eles vivem, sentem.

Se eles sentem, amam.
Se eles amam, têm consciência.
Se têm consciência têm uma alma.
- Anthony Douglas Williams



quinta-feira, 16 de julho de 2015

A menina da escova...



Tenho tido a sorte única, no meu local de trabalho, de interagir com crianças entre os 3 e os 5 anos.
Hoje uma delas correu para mim na esperança de lhe secar e escovar o cabelo. Não é traquina, não é irrequieta, não é autoritária nem rabugenta, é criança! É mexida, é energética e curiosa; Um doce de criança, que não pára de me fazer perguntas sobre as coisas que vê, ou de trazer sempre o nariz cheio de macaquinhos.
Junto de mim e de escova na mão, a Maria, debruçou-se sobre a porta ao meu lado, batendo-lhe com a escova como se fosse um xilofone, e coloquei-me de joelhos atrás dela, para poder estar mais perto do cabelo. Do nada, sentindo o meu joelho mesmo à mão de semear e ao nível dos seus joelhos, aproveitou a oportunidade única e sentou-se na minha perna. Lá balançou um pouco enquanto eu tentava manter o equilibro e lhe secava o cabelo. Não foi tarefa fácil... Mas soube-me tão bem! Era uma dor agradável, por estranho que pareça. A experiência de sentir o seu peso, o seu rabo e corpo aconchegarem-se na perna trémula e nada preparada para 20kg de "rebeldia" fizeram crescer um bocadinho mais o pai que tenho dentro de mim. Fez-me sorrir, e pelo sim pelo não, nesse momento ganhei o dia.
Volta e meia perguntava-me o "o que era aquilo", ou o mais engraçado: pedia-me para se sentar de novo. Senti-me em parte pai. Um pai presente na vida dela, nas suas experiências, brincadeiras e mais importante: nas suas perguntas! Tirava tempo do secador para a ouvir, aproximando-me de si enquanto esticava o dedo a uma etiqueta.
A Maria não é a única felizarda a ter parte do meu tempo e atenção. Sim, sei que o simples facto de não passar 8h em redor de 20/30 crianças me deixa mais livre, mas gosto de me dedicar a cada uma das que passa por mim, por muito pequeno que seja a interacção.

Em conversa com uma amiga, desabafava a minha timidez e o medo com as crianças. Nunca estive na situação de tomar conta de crianças e bebés; Havia sempre alguém responsável por perto. Tenho pena de não ter o mesmo à vontade que muitas raparigas mais novas, e tenho muita inveja de quem teve e cuidou de primos e irmãos mais pequenos. A única base e confiança que tenho, adquiri com longas observações da interacção de pais com os filhos, com familiares, muitas perguntas, revistas e livros. Ainda assim, hoje a Maria ajudou-me a abrir um pouco mais a porta da confiança, a porta do desejo de ser pai e de ter um filho.
Só o facto de escrever e pensar sobre tudo isto me enche o peito de uma alegria indiscritível que nunca tive a oportunidade de sentir. O seu corpo junto ao meu enquanto se sentava na minha perna ou me fazia perguntas... A dedicação que eu próprio lhe dava, a atenção para os pequenos pormenores que ela não reparava, os deliciosos momentos em que lhe respondia e incentivava a fazer as coisas. O meu lado maternal e paternal a falarem tão alto que eu próprio me sentia e sinto feliz por ser assim.

3 Questions to Ask Your Child Every Night

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Um dia...
Um momento para mais tarde recordar...
Um momento para mais tarde recordar... [2]
A voz que me encanta...
Adivinha o quanto eu gosto de ti...
A criança reconhece...
Entretida no teu colo...
Um presente diferente...
Mamã, mamã!
Mais do que uma história...
Um berço...
Hoje...

quarta-feira, 8 de julho de 2015

O sofrimento do mundo...


"Se imaginarmos, tanto quanto for possível, a soma total de angústia, dor e sofrimento de cada espécie que vive na face da terra, teremos de admitir que  teria sido muito melhor se o sol tivesse sido capaz de produzir o fenómeno da vida na Terra em tão fraca quantidade como na Lua; e se, aqui como ali, a superfície fosse de uma calma cristalina." pág. 14 - nº 9 - Sobre o Sofrimento do Mundo de Schopenhauer

"Que a vida humana deve ser algum tipo de erro está suficientemente provado pela simples observação de que o homem é um conjunto de necessidades que dificilmente são satisfeitas; que a sua satisfação nada consegue a não ser uma situação indolor em que apenas cede ao tédio; e que o tédio é uma prova directa de que a existência em si mesma não tem valor, pois o tédio mais não é que a sensação do vazio da existência. Porque se a vida, por cujo desejo consiste a nossa essência e existência, possuísse em si um valor positivo e um conteúdo real, não existiria o tédio: a mera existência encher-nos-ia e satisfazer-nos-ia. Da forma como as coisas são, não temos prazer na existência a não ser quando estamos a lutar por alguma coisa - em cujo caso a distância e as dificuldades fazem com que o nosso alvo pareça satisfazer-nos (uma ilusão que se desvanece quando o atingimos) [...]" pág. 25 nº 5 - Sobre o Sofrimento do Mundo de Schopenhauer

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Ser morto é pior do que só morrer. Mas ser comido vivo é pior do que ser caçado à exaustão.
O ser humano, homo-sapiens, vive e desenvolve-se através de dois pontos que se afastam um do outro. O primeiro degrau é o amor/ódio. Imaginem uma linha cujo o amor e importância que damos ao caminhar se encontra no meio dessa linha, infinita ou não.
Num extremo temos o amor indescritível e incondicional que uma mãe tem por um filho no momento em que nasce; Do outro temos a falta desse amor - o ódio - em que um pai é capaz de tamanha atrocidade como o de espetar agulhas no corpo do seu filho recém nascido ou sufoca-lo com algodão.
O segundo degrau é a defesa do próprio eu através da razão ou pelas próprias mãos. Num extremo encontra-se a razão, que utilizamos cada vez que somos roubados e apresentamos queixa na policia, com a esperança de que o criminoso seja punido; No outro extremo temos a defesa dos nossos direitos pelas próprias mãos, em que se corta uma mão (ou algo pior) a um ladrão, violador e criminoso.
O ser humano, tal como todas as espécies que habitam neste planeta, vivem com um único fim: Serem felizes.
Respirar deixa-nos felizes. Saciar a sede, tomar banho, comer, correr, comunicar, viajar, passear, fazer sexo, deixa-nos felizes. Comprar é algo que se adquiriu à relativamente pouco tempo, graças à industria que controla o mundo através da Moda e das Tendências. Consumir deixa-nos felizes.
Mas esta felicidade não é duradoura. Não dura uma vida inteira. Tem de ser comprada, estimulada, exercitada e desenvolvida. Por essa mesma razão, não existe uma razão de existir, pois ser-se "feliz" não é mais que um conjunto de reacções químicas que nos estimulam o cérebro a lutar para nos mantermos vivos. São emoções, e emoções não são reais, são fabricadas. Esse é o núcleo do instinto animal! Sobreviver. Mas sobreviver é também por si um desejo das próprias células e dos vírus que as compõem. Sobreviver é desejar existir sem a vontade de verdadeiramente VIVER.
Poderemos dizer que de facto Vivemos; Que temos a sorte de poder apreciar a natureza do mundo com toda a sua vida que rasteja, caminha, voa e espalha as suas sementes. Mas esquecemo-nos de que não existe verdadeiramente uma razão de existir. Existimos porque tudo o que compõem este universo foi capaz de criar olhos para podermos ver o seu maravilhoso horizonte crescer e florescer.
A razão das coisas, desde o mais pequeno grão de areia ao maior sol, resume-se apenas a Ser. O que não é o mesmo que existir, pois existir implica interacção "sexual" que leva ao desenvolvimento, adaptação e evolução desse algo, seja astro-físico, seja animal; E a interacção é um acto de existir. Existir é, fundamental e unicamente: ser real, "palpável" e/ou observável.
Ser-se é tédio; Ser é a imobilização de si. Ser é "real" mas não tem valor quando trocado. A razão de Ser e de Existir é nula. Pois se nenhum de nós existisse, nada se perderia neste universo. Nem a sua magnitude se tornaria diminuta, ou os seus espectáculos cósmicos deixaram de se encher de cores exóticas.

A razão da nossa existência e o próprio sentido da vida, são imensuravelmente desvalorizáveis. A cruel verdade do nosso mundo humano, das nossas vidas, da nossa felicidade, do nosso amor, são facilmente embrulhadas como papel e deitadas ao fogo, pois tudo isso não é mais do que tentativas da nossa mente dar um sentido ao que nos rodeia. Queremos permanecer vivos, lutar pela "vida", porque os estímulos que recebemos nos são estranhos, nos fazem falsamente felizes. Todos os prazeres são reacções químicas que se transformam em amor. E o amor é, na sua essência, um desejo de sobrevivência; Quer da "coisa" pelo qual nos apaixonamos, quer de nós mesmos.
E as memórias não são mais que a exigência abominável, e imperceptível, que o próprio cérebro tem em se manter vivo. Não é permanecer "sã", mas vivo, a funcionar! A Existir, a Ser.
Ter e receber amor não é suficiente. Dar e partilhar muito menos. São tudo falsidades. São partidas que o próprio cérebro prega a si próprio. Pois se todos os animais tivessem amor por todos, inclusive as suas vitimas, deixariam de ser animais carnívoros ou herbívoros, pois até as plantas vivem numa paz tediosa em que apenas sobrevivem através da proliferação das suas sementes. Se os animais, tal como as plantas, não tiverem mais nenhum objectivo na vida do que simplesmente semearem-se, partilharem os seus genes, qual a sua razão de existir? Qual é o sentido da vida deles se não for apenas o de Existir? E porque haveríamos nós de ter o verdadeiro valor e significado da vida!? Porque haveríamos de ser egoístas ao ponto de nos acharmos melhores que outra coisa qualquer? Não somos deuses, somos átomos. Não temos verdadeiramente uma identidade, não somos realmente alguma coisa "interessante" até que o cérebro descubra e compreenda para que servem os pés, as mãos, a boca e as orelhas.

A própria felicidade de respirar, surge apenas na calma paisagem, onde o predadores não correm em direcção a nós e não precisamos de lutar pela nossa vida. Nesse único e mísero momento, vivemos a nossa existência. Existimos. Mas esse momento não dura muito tempo. Essa felicidade é efémera, pela simples razão de sermos obrigados a alimentarmos-nos. Logo aí, deixamos de apreciar as coisas, para preocuparmos-nos com elas ao ponto de não tirar os olhos do horizonte, o ouvido do vento e o nariz dos frutos venenosos ou comestíveis.
O próprio sofrimento, que pode ser observado e contabilizado através dos neurónios-espelho, quer através de uma ressonância magnética, pode ser medido.
Ao centro da linha de dois extremos, encontra-se a dor do respirar - o Zero. Num extremo, pela parte positiva, está o nascimento de um filho ou vê-lo cair da bicicleta, do outro está a dor que se sofre ao ver um filho ser atropelado ou bater-nos. A impotência, que surge pela incapacidade de controlar o mundo, as coisas e a nossa própria vida, faz nascer a depressão; E a depressão não é mais do que a revelação do degredo do mundo. Da crueldade e frieza. É nesse momento que a pessoa abre finalmente os olhos para a realidade da "morte" que a rodeia. Tudo é finito, feio e o que é bom acaba depressa. Não há prazer para sentir, não há amor para dar. Tudo deveria morrer. Nada é bonito e bom neste mundo.

O mundo existe, porque precisamos dele, porque interagimos. A simples razão, de um colecionador de pedras, nunca vir a encontrar uma pedra incrivelmente perfeita e sublime para a sua colecção, apenas e só porque esta se encontra inacessível no fundo do oceano, torna a existência daquela pedra tão naturalmente enjoativa e comum, nula. O colecionador não sabe que ela existe, e isso não lhe faz confusão. Mas é aí que entram os desejos insaciáveis do ser humano. Ele pode nunca vir a encontrar a pedra dos seus sonhos, a pedra do mundo, mas irá para sempre, até ao dia da sua morte, procurá-la em todos os cantos do mundo. E essa é fundamentalmente a razão de Viver. Não é sobreviver, é encontrar respostas às nossas perguntas.
Contudo, se nunca fizéssemos perguntas, não obteríamos respostas e o mundo não choraria por causa disso. O reino animal não entraria em colapso e o próprio planeta não se auto-destruía num apocalipse sem sentido.
O vazio, é a razão do universo.

"Depois da tua morte, serás o que foste antes do teu nascimento." pág. 54 nº 2 - Sobre o Sofrimento do Mundo de Schopenhauer

Não há nada mais bonito que a morte!


"Who are you? You are not you'r age, color, ethnicity. You'r not possessions, hobbies, believes. If you take away everything you have identify your self with: family, kids, everything; What would be left? who are you?" - Pig (2011)

"[...] we are like the widgets in a math problem, we only exist because of the question, beyond that we don't exist, we don't matter." - Loop (2007)

"Remember everything, for soon there will be nothing" - Desolate (2013)

Inicio: 28/06/2015