sexta-feira, 30 de abril de 2010

A minha alma nasceu escrita... I



O meu grito ecoa pelas paredes deste ambiente vazio, sem vida.
Sem luz, onde apenas a morte pinta de negro o caminho que piso.
Onde as chamas não têm força para iluminar, nem me aquecer.
Sinto o frio percorrer-me as espinha, eriçar-me os pelos, e fazer-me tremer de desconforto...

Fecho os olhos, e um brilho branco, cega-me por momentos a visão.
Vejo pequenas estrelas, de uma tamanho ínfimo vaguearem aos meus olhos.
As suas cores pintão o branco, e as pupilas começam a arder.

O branco, já ténue, faz aparecer uma figura estranha, nua, de cabelos compridos e soltos.
Cabelos que se confundem com a porta de fumo negro e pesado. A sua idade aparente de 17 faz-me questionar o que fazia ela ali, à minha espera.
Ela, pálida de pele, de olhos abertos e profundos, pede-me que lhe dê a mão, e que não olhe para trás...
Ao tocar-lhe, sinto entrar em choque, sinto o coração bater mais devagar, mas o meu cérebro receber informação.
Informação... sonhos, ideias, visões, lembranças, gostos, ódios... vejo então no fim, a minha pessoa, a entrar com aquela mesma rapariga pálida, dentro da porta de fumo.

Olho então para trás, e vejo-me a mim.
Pesado na mão, uma faca, ensanguentada.
Começava agora a reparar, que o chão afinal não era assim tão branco... e que o sangue começara a pintá-lo.
O que faria eu ali? Com tal objecto na mão?
-- Vem comigo! -- gritou a rapariga. -- Ou morres.
-- Não! -- gritou o meu outro eu. -- Ela vai matar-te paulo! Assim que entrares por essa porta, tens de fugir assim que tiveres oportunidade!
Não me compreendo, e tudo aquilo não faz sentido. Estaria eu a olhar-me para um espelho, para algum tipo de pensamento que me prevenisse de que algo de mal me iria acontecer?

O meu outro eu, corre para mim, e ela agarra-me ainda com mais força pela mão. Puxa-me para dentro do que quer estivesse do outro lado. Ele salta também, mas já íamos longe.
Um corredor em pedra, iluminado por pequenas tochas, guiava-nos a uma sala demasiado baixa para mim
Sinto algo pegar-me por trás, e é então que sinto amarrarem-me á força, a uma cadeira desconfortável.
3 monstros, sem cara ou expressões, possuindo apenas 2 olhos em covas profundas da cara, amarram-me, e posicionam-se atrás de mim.
-- Sabes? -- diz ela -- Ele foi um dos primeiros a escapar daqui com vida.
-- Tira-me daqui! -- digo eu. -- O que me vais fazer? Matar-me também?
-- Claro paulo! É por isso que vieste parar aqui não foi?
-- Do que estás a falar? -- pergunto, olhando para ela, caminhando à minha volta.
-- Não querias... morrer? Não querias... desaparecer? Ir para um sítio calmo onde mais ninguém te pudesse incomodar?
-- Mas... como sabes isso?
-- Tens de ter mais cuidado com o que dizes! -- diz ela com um sorriso. -- Nós somos... "Eles", somos... anjos caídos, espectros... somos... o teu consciente personificado em vida num universo que não existe.
-- O quê? -- digo espantado.
-- Nós somos deus dos sonhos! Somos deuses da vontade, do choro e do sofrimento, somos espectros da morte e da solidão! -- continua ela.
As suas roupas começam a compor-se, a criarem-se e a juntarem-se junto do seu corpo.
Era algo magnifico, era como pequenos pedaços de algodão, que se juntavam em cores claras e em espécie de pós, formando por fim, o tecido que a cobria.
-- Sabes? -- diz ela -- Não era suposto tu conseguires fugir-nos! ELE!! não era suposto ter fugido. Nós somos demasiado bons no que fazemos! Nós mata-mo-vos por vós! Fracos, incompetentes. Nós enfiamos uma faca nesse vosso misere pescoço, comemos a vossa alma, e seguimos para outro.
-- Porque fazem isto? -- pergunto.
-- Ao principio não nos importávamos, mas vocês vinham cada vez mais aqui, a este lugar. Ressuscitam e entram num universo completamente novo,e levavam a mesma vida que levaram anteriormente...
-- Não compreendo nada! Do que estás a falar? Deixa-me sair e discutimos isto mais calmamente. -- respondeu eu, quase chorando de um medo incrivelmente colossal de morrer torturado e mutilado daquele modo.

Ela pára, bate as palmas, e diz: -- Ehjn limnir.
É então que as paredes daquela sala evaporam, literalmente, e tudo o que fica é o infinito branco.
E em meu redor, vejo biliões de cadeiras, e aprisionadas a elas, pessoas despidas, do seu cabelo, das suas sobrancelhas... tudo tinha desaparecido.
À medida que olhava, via pessoas serem arrastadas para as cadeiras, pessoas a serem retiradas das mesmas, já sem vida, pintando por breves momentos o chão, que se limpava em pingos que voavam em direcção ao "tecto" distante.
Conseguia ver também outros seres, estranhos, alguns semelhantes a nós humanos, e outros com caras mais semelhantes a répteis, outros a aves, ou a peixes...
Via... pessoas serem mortas com uma facada no pescoço e duas no peito.

-- Sabes? Vocês deviam ser Seres mais interessantes do que aparentam cá de cima. -- continuou ela, já quase completamente vestida. -- No inicio, acreditava-mos que deixar-vos viver, estaríamos a fazer com que as vossas vidas fossem iguais ás vidas que levaram antes. Foi então que um dos nossos matou sem querer um dos vossos.
Rindo-se e passando a sua mão pelo meu peito, queimando as minhas roupas e transformando-as em cinza que subia ao "tecto".
-- Começámos por pensar que matar-vos neste mundo, trouxesse alguma felicidade ás vossas vidas, e que talvez vocês as conseguissem mudar mas... acabámos por não nos importar-mos com mais nada! Estamos aqui em cima à demasiado tempo, sem fazer nada. Matar-vos, tornou-se um prazer, um jogo, uma competição! Eu própria, adoro a tua personagem!
E quase num só salto, ela senta-se em cima de mim, de pernas abertas, tentando "provocar-me"; E com um sorriso nos lábios pintados de vermelho, ela diz:
-- Adoro matar-me vezes sem conta! Contar-te sempre a mesma história, e fuder-te antes de te enfiar a faca por esse pescoço tão bonito que tu tens... -- diz ela, passando as unhas compridas pela pele fina. -- ADORO ouvir-te de todas as vezes que te digo isto. Até tenho orgasmos! UI!
-- Mas porque é que me fazes isto?
Ela desata-se a rir, com um grande sorriso e os olhos em puro brilho, ela beija-me.
-- Tu também me adoras fuder! É por isso que estás sempre a vir para cá.
-- É a primeira vez que isto que me acontece. -- morde-me o lábio e desseguida o nariz, e enquanto faz alguma força para se levantar do meu colo, diz: -- Lembra-te paulo! Acho que a tua vida não é assim tão... banal como o resta da destas pessoas... Não me digas que não tens visões! Nem sentimentos estranhos sobre algo. Não me digas que nunca conseguis-te prever o futuro. -- pergunta ela por fim abismada. -- Malta, querem ver que temos aqui um paulo diferente dos outros? Ai que eu vou adorar ainda mais matar-te.
Ela puxa de uma faca, igual à que o meu outro eu trazia. Brilhante, limpa e um punho coberto de cabedal semelhante a fios de lã dourada. Colocando-se atrás de mim, ela corta-me as cordas que me amarravam. Senta-se de novo em cima de mim, levanta o vestido fino, e senta-se em cima dele, depois de me provocar a erecção.
"Um homem é capaz de conseguir ter tesão em qualquer lado e situação. Até mesmo perante a morte."

-- E sabes porque é que gosto de te fuder, matar?
-- Não.
-- Porque tu respondes sempre de maneira diferente ao que te digo, ainda que o diga da mesma forma. Tens sempre respostas diferentes. Porque a tua vida... não se resume a fazer dela a melhor coisa do mundo, mas sim a conseguir viver nela com as respostas e ajudas que os teus Eus te dão nas outras vidas, nos outros universos. Porque tu... és único. Ainda que inicies a vida sempre da mesma maneira, evoluís em cada uma delas. Tornas-te mais inteligente e capaz. És a única personagem a quem os outros podem ligar-se. És o principal, criado através de um erro. És o meu ser precioso. És quem eu mais adoro! Ensinas-me tantas coisas de cada vez que voltas para cá. És especial, porque todos te ajudam a ser cada vez melhor. E mais ninguém consegue fazer isso. És meu. Só meu!

É então, que reparo num fumo espesso e negro surgir lá mais ao fundo.
Era a porta por onde entrara. E de arrasto, trazem o meu outro eu, ainda mais ensanguentado.
Atam-no a uma das cadeiras e ela levanta-se. Caminha até ele e diz qualquer coisa que não entendo.
Enfia-lhe a faca no pescoço e decapita-o.
Volta a aproximar-se de mim e volta a sentar-se. Baloiça calmamente, e aos poucos aumenta a velocidade.
Sinto-me estranho. Sinto-me doente e mal disposto.
Vejo e ouço as pessoas gritarem, morrerem ao meu lado, enquanto sou o único a ter um dos melhores momentos. E agora apercebo-me... Os meus outros Eus não me avizaram de tal espaço, de tal mulher, de tal sala de branco. Sinto-me estranhamente vazio.


Continua...

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