sexta-feira, 16 de abril de 2010

Passeando á chuva...


Estava no ciclo da Mealhada, onde o meu pai trabalha.
Viro-me para o João, e pergunto-lhe muito convicto da minha palavra e atitude.
-- Tens medo da chuva João?
"-- Não." responde ele, juntamente com a sua expressão.
-- Então vamos.
E atirei-me à chuva, seguido por ele.
Sem chapéu, ambos nos aventurámos no mundo vazio, que se sentia fora daquela escola.

Para quê o medo? Para quê fugir?
A chuva não é tão linda?
Quer dizer, por vezes fico doente, por andar à chuva e ficar molhado, mas...
Quando fico debaixo dela, levando com os seus pingos gélidos, sinto-me livre do mundo, da suciedade, das palavras, e deixo o cheiro à terra molhada  inundar-me o nariz.

Os pingos batem-me com força, caiem, ainda assim, poucos na minha cara, cai um num lábio, nos braços desprotegidos, na minha t-shirt. Para quê fugir? Para quê correr?
Para quê ter medo?

As cadelas vão à frente, mantendo um olhar "constante" em mim, à espera de algum tipo de aprovação, algum tipo de movimento ou acção. Olhei a Sckuly, e sentia voar, ainda um pouco tímida e intrigada com aquele novo sentimento, aquele tempo não seria o primeiro, mas seria talvez um porta que se abria.
Para ela, sentir aqueles pingos, era melhor que correr, do que fugir ou brincar...
Para ela, era um novo modo de consciência, de percepção do mundo, um novo passo para a sua evolução individual de inteligência.
Naquele momento, ela crescera.
Sentira por momentos, o verdadeiro cheiro do mundo sem correntes, sem preconceitos... Sentiu a natureza do seu ser.

Já a Matilde, sentiu-se estranha, era algo "novo", algo que não conseguia compreender.
Mas também a fazia sentir-se mais livre das correntes da boa educação, das correntes do seu crescimento.
Ou talvez, elas quisessem apenas ir para casa, protegerem-se daquele frio vento, e daquela chuva pesada e inconsistente.

Mas, entre elas, eu seria sempre um pai, uma entidade superior com quem elas podiam confiar...
Logo, não existia preocupação nas suas mentes, talvez medo, talvez o instinto animal se tenha ligado por segundos, mas... desligado, depois de aprenderem, de que serem apanhadas pela chuva, era algo normal.
Talvez naquela altura, eu lhes tenha mudado a sua mente tão enraizada no instinto animal.

Os meus pais nunca me ensinaram que andar à chuva é bom. Ou que poderia andar calmamente.
Ensinaram-me, de que não deveria andar nela, pois ficaria doente, como provara centenas de vezes.
Para além da boa educação dos meus pais, ser pequeno e ver tanta gente fugir da chuva, "enraizou-se" em mim, e em cada um de vocês. Mas... com a vontade de ser diferente, de sentir e experiênciar coisas diferentes e estranhas... avancei para a chuva, um dia, com elas as duas, e senti aquilo que mais ninguém alguma vez me conseguiria dar. A paz e a calma. Sem correntes. Tal como naquele dia, em que a Matilde me molhara todo depois de se sacudir.

Foi um respirar puro, foi como mel a percorrer-me as veias, e o cérebro pode experiênciar o vazio, a anulação do instinto, a anulação de regras.
E quando olhavam para mim, com as duas cadelas encharcadas... Sentia-me "mal", mas pelo simples facto de saber que me estavam a julgar, mas ao mesmo tempo, não me importava... afinal, eu estava a aproveitar o verdadeiro momento. Abrira a porta, a janela, saíra para a rua a enfrentar a natureza violenta, crua e mãe.

Não é algo que pode ser "ensinado" ou "explicado", deve ser vivido.
Não pode ser obrigado, só porque sim, mas sim, encarado como experiência.
É para mim, um modo de vida. Viver assim. Experimentar assim. Ser assim...
Pensar fora do quadrado, pensar fora das regras, caminhar fora da estrada, sempre consciente.
Ser e existir por aqui, sem medo. Pois afinal, eu o verdadeiro mundo.
Ter medo? De quê?
Para quê fugir? Para quê, preocupar-me?!
Levo na mente a minha morte, nada é pior, nem nada será ainda pior...
Pois eu sei, de que haverá algo sempre "pior".
Haverá sempre, algo mais.
Haverá uma etapa para superar.
Será, para mim, a chuva, o meu descanso, o meu revelador.
Para quê fugir? Para quê correr...?
As vossas mentes, presas em correntes, proibida e trancada por cadeados.
Critiquem-me, pois sou eu vejo a vossa alma crua viver regida por palavras, por deuses, e regras, que em mim não cabem...


A chuva cai-me nos ombros, pesada, lamentando em murmúrios... os dias tristes que lhe nego.
Não fujas... do mundo que te acolheu.

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