terça-feira, 13 de abril de 2010

Eu comi cianeto...



Trago sangue nas mãos...
Trago gritos nos bolsos...
Travado na garganta, levo cápsulas de comprimidos, que a corroem em saliva, pus e sangue.
A respiração está cortada, e tento olhar para a web-cam.
A minha cara muda de cor, os meus dedos engelham-se e tornam-se roxos.
Sinto o coração nas orelhas, e um zunido perfurar-me os tímpanos como agulhas..
As veias rebentam por dentro, o meu coração abranda, e volta a acelerar.

Debaixo dos braços, por entre as costelas, sinto a pressão do sangue partir-me umas quantas.
Sinto ossos partirem, vejo ossos rasgarem-me.
E fico ainda mais aflito, enquanto sinto dentro de mim, o meu pulmão direito, encher-se de sangue, formando um balão grande como a minha cabeça.
Do meu nariz posso ver pingos de sangue caírem, e a temperatura do corpo sobe.

Do outro lado da web-cam, vejo outros rapazes e raparigas, comerem o mesmo que eu...
Vejo gente morrer primeiro que eu, vejo gente enforcar-se, cortar os pulsos, rebentar com a própria cabeça.
Vejo... o mundo de pessoas que me compreende, e que ainda, dia algum seria meu amigo.
O cianeto acaba por matar alguns dos que estavam presentes, e eu, era o único que ainda estava vivo.
Treinara durante muito tempo, suster a respiração, quebrando dezenas de vezes o meu recorde pessoal.
Mas os 5 minutos estavam a acabar, e sentia já na garganta, um incêndio queimar todo o ar que me restava nos pulmões.

E adormeci, enquanto o cérebro rebentado me saia pelos orifícios da cabeça, a maça acefálica fazia arrancar os olhos, e o meu nariz entupir.
Rebentando por dentro, sangue fervilha e bolhas pelo meu corpo...

Os meus pais correm pelo quarto a dentro, após terem conseguido rebentar a porta ao pontapé e à martelada. A minha mãe trazia o coração nas mãos, e o meu pai uma cara de mau.
Não estava no meu corpo, e seria apenas uma alma a caminhar pelo corpo de um miúdo com problemas mentais e psíquicos. Um rapaz depravado, com uma mente completamente fudida, distorcida, paranóica e melancolicamente pedrada. Confusa e virada do avesso, como o caos criados pelos ramos de uma fogueira e o fogo.

Deparados com tal cenário, os meus pais choram, incondicionalmente, tentam empurrar para dentro o meu cérebro e olhos, tenta concertar este filho de pouco mais de 20 anos, encharcado no seu próprio sangue e merda, entre as possas de sangue, entre lençóis coloridos e repletos de desenhos simpáticos, floridos e primaveris, pintados de vermelho.
O corpo era como uma pipa de vinho vazia... era um corpo literalmente morto, borbulhando como sabão o que restava daquela mistura de cianeto com paracetamol e penicilina.
A morte foi lenta, dolorosa, e desfigurante.

Agora, dariam mais importância do que nunca.
Eles, ali deitados sobre o corpo de um filho que veneraram, que cuidaram e protegeram.
Uma taça de pó, dos cereais, estava sobre a mesa da secretária, e uma garrafa de água quase intocada.
O horror nos seus olhos dava-me forças, e eu sorria.
Violando as suas caras com os meus gestos, os meus choros fingidos.
Esta seria uma noite memorável!

Formámos assim, naquele momento, com as nossas mortes, o nosso grupo. O grupo: "Os mendigos dos sonhos efémeros".
Pobres de espírito, e os sonhos, seriam curtos, pois tínhamos medo de tudo e todos.
Medo de sair à rua, de passear, de ser cumprimentado na rua, medo do sol forte, do frio, do vento, das pessoas... fobia de o "lá fora" não ser como os nossos sonhos. Tão reais, tão vividos, tão possíveis, tão dramáticos e melódicamente adaptados ás nossas mentes estimuladas por dor.

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Mais um excelente post! :D
Este texto tem como base um documentário sobre o suicido que passou há já muitos anos no canal Odisseia.
E o cianeto, com base no filme Contacto.
Esta "dor" reflectida em palavras, este desconforto, foi criado com esse mesmo intuito, mas também para expressar a dor que sinto. Mas que escondo.
E gosto disso, desse desconforto, tal como referi em outros posts como este.
Adoro o sofrimento físico, e ainda mais o psicológico.
Adoro mar de sensações, do desconforto.
Talvez me faça sentir mais forte do que sou, mas saberão realmente?
Poderei fingir diante de vocês.
O suicídio já foi uma opção para mim, e continuar a ser... mas continuo à espera do dia.
Ainda que a vida me corra "bem", tenciono e desejo sempre desaparecer.
Talvez por não amar nada nem ninguém... mas também, quando eles partirem, quem me é mais próximo, estarei pronto para enfrentar esses medos.

Ainda que vocês, pais, digam que devo sair de casa e conhecer gente, que devia fazer amigos, e  não ser tão mau, não ser tão resmungão e violento, estar sozinho, para mim, é enfrentar algo impossível para o ser humano. É o negar amizade, e o cérebro com isso evoluí sozinho, como "sempre" fiz..
E a violência para com o meu próprio eu, tornou-se tão forte quando "A conheci", e quando "Ela" me deixou, que se enraizou como diamantes, como pântanos e raízes que rasgam terra...
Será por "ela", que sou assim, tão negativo, será culpa "dela" o facto de ser tão frio, parvo, mau, respondão...
Foi por "ela", que tive de me tornar assim, pois já que ela não me dava carinho, eu com o ódio dela por mim, torneio no meu ódio pelas coisas... pelas pessoas.
O medo e dor tornou-se parte de mim, mas que nem sempre aparece.
Hoje, conheceram-me um bocadinho mais.
Mas não pensem que por acharem que me conhecem, vou ser mais simpático para vocês, só porque vocês me "compreendem".


O cianeto nas veias faz-me cócegas...

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