terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Espelho vazio...



Vejo ao fundo, desta estepe seca, uma casa...
Vazia, velha, crepitante...

Entro no átrio,
As paredes sujas, pintadas por molduras brancas, dão cor.
Num quarto vazio, com vista para a estepe, deixaram um espelho, com uma decoração me metal e muito florida.
Aproximo-me num ângulo, que não me permite ver-me.
Vazio o encontro.
Parece que levaram também os seus olhos.
Levaram-lhe o sorriso, o coração, e não passa agora de um espelho vazio.
Um espelho que não vive, nem aprecia quem o pode olhar.

Ouço passos, ouço o murmurar das paredes, as conversas do papel de parede pela casa...
E vejo, à entrada daquele quarto vazio, uma rapariga.
De camisa branca, de camisola vermelha, e calças azuis de ganga.
Mas... de um ar normal, sem maquilhagem, sem grandes enfeites no cabelo, ou grandes preparações.
Uma rapariga com um ar tão normal, que... pensariam ser de famílias "pobres"... e ao olhar para ela, pude ver, que daquilo que eu sabia, gostava ou via, a ela... passava-lhe ao lado, e pergunto-me.

Sabendo eu o que sei, e sabendo que sou "mais" do que ela, não seria para ela um "sonho", por ter alguém mais crescido? mais capaz e "inteligente"?
Mas... acabo por perceber, de que nada dela posso pensar... pois não a conheço, nem sei do que gosta, nem o que sabe, nem o que faz ou gosta fazer. Não poderia ser eu então, alguém menos do que ela?
Não seria eu, alguém "banal"? Alguém que pensa ter tudo, mas que afinal não tem nada...?

Volto o olhar o espelho, e vejo-me, mas não a ela.
Quem sou eu para julgar alguém?
Assim julgam elas, as raparigas que por mim passam, fora desta casa, deste ambiente de calma.

Respondo com uma ola, à rapariga que entra devagarinho pelo quarto.
Traz um sorriso, e a cara corada.
Limito-me a olhá-la. Contemplando o seu estado de espírito.
Lendo o seu corpo, a sua mente... conhecendo-a.

-- Pobre do espelho! -- responde a rapariga triste. -- Não tem alma...
Não saberia ela, que o espelho, mostraria apenas, aquelas pessoas que aceitassem outras, que não criticariam ou rotulariam as outras pessoas.

Chegando-se junto de mim, ela vê-se de mãos dadas a este desconhecido, afastando-se de imediato, olhando as mãos. Gostaria ela do meu cabelo?
Das minhas roupas? Da minha cara?

Contudo, ela não podia ver a sua cara, naquele espelho tão limpo.
Seria a dela, uma cara vazia, intrigando-se como poderia eu ter a minha.

Mas não passaria de um espelho vazio, e que afinal nada mostra.
Imaginando nós, apenas, a nossa imagem.
Vendo, o que desejamos ter.

Contudo, ela toca-me no braço, e com um sorriso muito pequenino, pergunta-me:
-- Vieste sozinho? Passear?
-- Sim.

Mal sabíamos nós, que passaríamos os dois o dia inteiro à conversa, sobre aquela casa tão misteriosa.
Até que fez chuva... E a casa, já de velha, e telhas partidas, de janelas abertas, e portas arrancadas, permitia a entrada daqueles pingos e frio que nos faziam tremer, e encostar-nos um ao outro.

Desconhecidos, lutando pela sobrevivência, sem qualquer sentimento de amor, apenas de amizade.
Até àquele momento...

Ao longe, vi um estábulo, e virei-me para ela, enquanto a chuva me molhava os cabelos.
-- Vem. -- disse, agarrando-lhe na mão -- Vamos para aquele celeiro. Estaremos melhor.
-- E segurando a gola da camisa para que o frio não a gelasse, agarrou-me com força.
Já à chuva, levantou a cabeça, sentiu o seu cabelo e vento gélido na cara.
As mãos ardiam ao vento...

Ao estábulo chegámos, cansados, sem fôlego...
E de uma simples amizade, cresceu uma paixão.
Não por obrigação, nem por se dever ao mau tempo...
Uma paixão, que cresceu entre duas mentes fascinadas uma pela outra.
Duas mentes... que nasceram com um espelho vazio.

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Explicação:
"Duas mentes... que nasceram com um espelho vazio."
Significa que, ambos nasceram de uma forma livre, espontânea, aprendo e construindo à sua medida e idade, sem nunca copiar os outros.
Serão estas, mentes virgens, que crescem sonhando.

Tentei escrever e falar sobre o assunto de outra forma, levando-o também para o exagero, e para o estúpido.
Eu não sei escrever, apenas dito que quero ler.

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