quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O Perfume da Alma... [4]

Pintavas-me de traços firmes e demorados... sonhando nesse mundo em que me vias.
Os traços do cabelo, as costas... tudo num fervor de sentimentos inquietos e inseguros, afrodisíacos e calmos...

um desenho de amor...


O sol reaparecia por entre as nuves, causando a todos, uma sensação de reconforto, livres novamente.
Olhei a água, o meu reflexo.. e voltei a olhar para ti... por uns segundos.. a água escura, fica turva, e algo sobressai. Um peixe que vem à tona para respirar... sinto-o passar pela planta dos meus pés, fazendo cócegas... rindo-me, tu olhas-me e contemplas, e tentas compreender o que se passa comigo, por momentos fechas as trancas, recolhes pontes e fechas janelas, apagas as tochas... pensando... e protegendo-te de mim.
Aos poucos.. destrancas-te do mundo, da imagem que crias-te de mim, e começas a aceitar o momento... a gravar a memória em ti.

O teu mundo, a quem ninguém dás, nem mostras, nem deixas experimentar nem sentir...
é um mundo, criado no centro da tua mente, rodeado por um mar infinito de ligações neuronais, protegida por energia... pensamentos.

É o mundo onde és sem medo, onde aceitas quem queres, onde crias sentimentos... onde és!
Onde não existe espaço para manipulações de qualquer individuo que te aborde, que te julgue ou impinja quem és e quem deves ser.
Um mundo tão sombrio, tão próprio, e sensível.

A alma comanda-te o cérebro... e o seu perfume, de tão excêntrico, belo, único, e auto-controlador... gotícula (deixa gotitas) a minha, saltita e corre, aromatizando também a minha alma questionadora.. que tudo controla.

Vês-me sorrir, rindo de algo que não conheces, que não viste, nem sentes...
Um sorriso que te atrai, algo... diferente, verdadeiro!

Olho para ti, e vejo-te sorrir do meu sorriso, do meu momento, que se perfuma na tua caixa sombria.
A borboleta, esconde-nos os olhos, impede a visão da alma e do perfume que traz...
Ainda assim, batendo as suas asas douradas, os meros segundos que nos deixaram rasgados... retirados do mundo, e do apunha-lamento da saudade... o tempo... parou.
Tão devagar, tão tépido o momento, tão infinito o seu bater de asas, permitia-nos deslumbrar a coisa mais bonita e ainda assim insignificante e frágil, peça da natureza.

Podíamos sonhar naqueles sóis distantes que nasciam do reflexo das suas asas... deixando o seu rasto de chama.
As aventuras que ambos criávamos, as imagens, as histórias e os heróis.
Histórias de uma borboleta, que também ela... perfumava-nos com a sua elegância e fragilidade, que nos fazia invejar o seu poder de voar!
Histórias de um "País das Maravilhas", onde crescíamos em "Terra do Nunca" no meio dos nossos momentos de criança, de peluches, de sentimentos pequenérrimos das nossas aventuras, de brincadeiras tão antigas como a nossa própria voz... onde a nostalgia voava com um rasto colorido por entre a pilha de brinquedos, pelo amontoado de memórias, onde brincava... com os números da nossa idade.

O cheiro da flor "incomum" tocava-mos os pêlos nasais.. com suavidade, transformando também, o seu perfume de pólen em energia que nos fazia reagir os músculos emocionais... guardávamos esse momento, esse filme do nosso momento, do agora!

Os teus olhos reluziam perante os meus, a história, o mundo, o sentimento em que te envolvias.

Olhas-te-me corando, sorris-te...
Tentei apanhar a borboleta. ...e algo em ti gritava, sentias-te ser enjaulada, trancada, privada de seres... sentido perder o sorriso.

Esticado, lembrámos-nos da rapariguita pequenina que antes a caçava entre os seus gestos pouco controlados... aproximei-me, e caí.

O frio cobria-me o corpo, a água encheu-me a boca, e a escuridão transformara-se na minha visão. Senti o peixe beijar-me o peito. A falta de ar ardia-me os pulmões, e levantei-me...
Ao agradecerem-me, os meus pulmões encheram-se numa grande lufada de ar, e a minha barriga escondia-se sugando a camisola.


Ouvi-te rir... vi-te... rir!
E ri-me também, incapaz de esconder o meu sorriso por entre o cabelo, de cabeça baixa.
-- Faz outra vez! -- disses-te, rindo-te ainda mais, sem nunca tapando o que de mais belo me fazia renascer, aquecer... o seu sorriso.
Controlando-se depois, e também ela respirando por fim, disse-me:
-- Nunca roubes a liberdade a ninguém! -- respondeu sorrindo.
-- Acho que mereci... -- respondi, olhando o meu corpo.

Subi o leito do rio, e sentei-me ao teu lado.
-- Vais-te constipar! -- disse, olhando-me o corpo molhado, sentindo também na sua pele o frio que me cobria. Um frio que eu vestia com prazer.

Eras diferente, muito protectora de ti mesma, muito confiante, independente.
Uma criança abraçada por muros tão altos como tu, mas tão belos por dentro como tu por fora.

Ó rapariga que perfuma a minha alma,
que me fazes crescer em calma,
tu que me salvas num momento
me sinto a ti prendendo...

Num sorriso teu me perco
neste olhar que me cerca
em chama e gelo se deu
o efémero processo da vida...

-- Ficas mais bonito assim... -- respondes-te de repente. Quebrando o gelo, e rasgando-me o muro de vergonha com palavras tão doces, tão simples... tão simpáticas.
Abriste para mim o teu portão, acendeste tochas e abris-te janelas.
A alma abria para mim o seu peito... rasgando também ele o seu. O seu interior breu, hipnotizava.. e sentia-me sugado por esse imaginário "buraco negro".
-- "Vem descobrir o meu mundo..." -- murmurava a tua alma, numa cativante voz de anjo.

Sem comentários:

Enviar um comentário