domingo, 15 de junho de 2014

És o meu presente...



Esta foto, que seguro agora com alguma dor no peito, tinha um significado muito mais forte de quando a tirei. Lembro-me de dizeres, antes de sairmos de casa:
-- Tenho-te uma surpresa. Um requinte bordado em mim, muito antes de ter nascido. Um carinho comprado de trabalho com amor, por alguém que nunca conheci mas que sabia cada centímetro do meu corpo. Alguém que me amou em cada cruzar de linha, e que fiz erguer em cada correcção. Sendo eu perfeita, fiz o escriba aperfeiçoar a sua letra, que um dia pintaria na minha pele um brilho de sedução. A história da minha surpresa, herdada, abria em mim a gaiola que libertou minha mãe, senhora de sabedoria profunda e de um conforto aconchegante. Aqui me mostro, vestida por um Deus, para o dia da minha dança de acasalamento.
Caminhavas pela praia, deixando para trás pegadas que marcava levemente a areia, como um toque no meu corpo. O vestido cozia-se a ti, dando-se em cada movimento, envolvendo-vos de tal maneira, que nenhum poderia viver sem o outro. Era-te uma protecção. Um ornamento cuidadosamente vestido e absorvido pela pele que te compõem fisicamente o Eu. Ressaltava de ti, um Sol tristonho por não poder ficar mais tempo sobre a tua pálida figura. Reflectias-lhe apenas uma imagem angelical daquilo que lhe concedias. Deste-me a mão, entrelaçaste os dedos e sorriste para mim. Beijámo-nos. Tocaste-me o rosto, a barba e acarinhaste a bochecha rosada.
-- Meu querido... Meu amor eterno, de mãos que me afagam a carência. És a razão do meu sorriso surgir quando estou triste, dos gemidos gritarem-me pelo corpo e de um amor pequenino e cuidadoso que se abraça ao meu coração. Todos os dias morro, a cada olhar que te faço e percebo que é mais um dia em que não estarás cá.
Os olhos conteram uma lágrima e ficaste sem expressão. Estavas prestes a chorar, soube-o. Pegaste na minha mão por breves segundos e atiraste-a para as tuas costas, pedindo um abraço. As mãos lançadas ao meu pescoço obrigaram-me a baixar, enfrentando a sereia bela, de olhos grandes focados nos meus. Fechaste os olhos e segui os teus passos. Os lábios secos humedeceram-se, com toque suave e demorado da tua boca. Abraçaste-me com força e ao teu ouvido declarei baixinho:
-- Amo-te! Amo-te! Amo-te! -- ouvi o teu sorriso e senti uma força agarrar-se ao meu tronco. Choraste-nos, pois a perda faz-se acompanhar dos dois e não apenas de mim. Pelos momentos únicos que vivemos e não veremos. A força do Sol embateu numa nuvem e o calor aqueceu-nos as pernas e as costas a partir do chão.
-- Amo-te! -- respondeste-me com um enorme sorriso, de lágrimas já secas e o cabelo entre-cobrindo o espelho da alma. Estava feliz, por ter encontrado o presente do mundo para mim. Dois animais, separados por biliões de colisões, mortes e evolução. Dois seres que desde o inicio do tempo, aguardavam o momento para colidir, viver, evoluir e morrer.

Choro-te, no banco que nos viu crescer...

4 comentários:

  1. Quando se ama uma vez, a pessoa nunca fica totalmente no nosso passado.

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    1. Acompanha-nos...

      http://sonhosembranco.blogspot.pt/2012/10/morrer-nao-e-vergonha.html

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  2. O banco, desde então, nunca será o mesmo...
    Está muito presente o que escreveste aqui.

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    1. Este banco já viu muita coisa, e ainda que lhe doa ouvir recordações, pelo menos fez-los feliz.

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