quarta-feira, 11 de junho de 2014

Clepsidra I


A lua espreitava por entre os cortinados semi afastados entre si, esvoaçando com a brisa quente que fazia lá fora, aquecendo o ambiente do quarto perfumado de incenso. Ouvi a maçaneta da porta, e surgiste por trás dela com um sorriso e o cabelo quase seco depois do banho. Atiraste a toalha para cima da cama e caminhaste confiante até mim. Beijaste-me, enrolando os teus braços à volta do meu pescoço.
«Quero-te…» - sussurraste-me ao ouvido, molhando-o.

Sabíamos que se tratava de uma posse vertiginosa de nós. Querermo-nos em nada constituía Razão, era uma busca infindável daquilo que ultrapassa o mundo lá fora, que observava-mos atentamente. E perdíamo-nos como as luzes movimentadas dos carros e das estações de comboio sobrelotadas.
«Tens-me!» - pronunciei-te igualmente ao ouvido. Passando os lábios pelos teus cabelos cujo aroma se confundia com a fragrância ambiente do quarto. Estava escuro. A minha mente iluminava-se de ti. Nada mais somos do que aquilo que sentimos. Os meus dedos estremecem quando te sinto. Sou o estremecer de ti.
O homem do correio chegara e eu despia-te a pele, afogando-te em pétalas de beijos e abraços por toda a tua essência visível. Ignoramo-lo. Que interessavam as cartas? De que nos serviam as palavras quando nos marcávamos daquele modo tão clemente?
Senti que te escorria veneno por entre as tímidas pernas, enquanto te elevava contra a parede que te arrefecia delicadamente a coluna vertebral perplexa de prazer.

Olhavas-me nos olhos, controlando-me as mãos na parede, impedindo a satisfação do tacto. Beijavas o meu peito, sentindo-o na tua pele suave. Sorriste. Levaste a boca ao meu pescoço e mordeste-o de prazer. Um súbdito acorrentado às tuas garras provocantes que me provocavam numa intensa sedução física. Ajoelhaste vagarosamente, serpenteando o teu peito explícito, acelerando o meu coração. Sentiste-o bater forte e quente na mão, que me enregelou. Lambeste a ponta do gelado e devolveste de novo as minhas mãos à parede. Ergueu-se e caiu sobre a tua língua que o esperava.

O carteiro bateu de novo e vi a sua silhueta afastar-se da porta, espreitando a janela aberta. Não sei o que acreditou ter visto. A tua cabeça movia-se, lubrificando horizontalmente a peça importante do meu ser que te enchia de uma energia invisível potente e carente. Olhei para ti, e vi o azul do controlo penetrar-me. Imóvel, tentando partir as correntes em que me deixavas, ouvia a saliva e o ar sair-te da boca, imitando uma lambidela apressada a um gelado que se derretia nas tuas mãos agora quentes e confortáveis.

O estafeta afastou-se. Finalmente livre, beijei-te a boca, sentindo o sabor que resistia nos teus lábios. Troquei de posição contigo e de mãos no teu peito, acariciei a seda limpa pelo lago de onde surgiste. Beijei-te os seios, saltitando por eles até à barriga, segurando-te firme pelo rabo. Beijei-te o pescoço, acalmando os ciúmes ao irmão do lado oposto a quem dei um presente húmido. Rocei-te a barba na delicada tez de ti e agarraste-te a mim, marcando o momento com os vergões vermelhos da tua suplicia vibrante. Despi no teu peito, uma massagem que te aquecia para uma corrida a que já me havias deixado preparado. Dissequei o teu corpo com a ponta da minha língua e cozi o que restava dele com a ponta dos meus dedos frios que te arrepiavam o sensível paraíso que transformaria o santo que sou num diabo eloquente, incapaz de resistir ao doce carnal que escondias timidamente de mim.

Suspiros. Berrávamos o silêncio que ninguém podia escutar. O libido transportava-se exteriormente às paredes pacatas daquele canto. E o canto das aves apoiava-nos com uma força cobiçada. Deixei-a cair em rios de mim. Os rios levavam ao mar que eu tanto queria mergulhar e emergir nela como se lhe fosse os braços, as pernas e a camisa que agora lhe vestia delicadamente. Escrevíamos rosas e violetas em jarros de porcelana chinesas e as abandonadas camélias invejavam-nos. Adormecermo-nos era como despertar para a realidade que não nos queria felizes. O estremecer transformou-se na clepsidra que indesejavelmente tomava-nos em cada amanhecer da vida. Arcadas de beijos. Também te quero assim.

A respiração soprava ao meu ouvido, cansada. Deitada para mim, deixavas-te adormecer numa morte que nos unia no meio dos lençóis. A temperatura do teu corpo subia em cada pedaço de sonho que partilhavas com um toque brusco dos teus dedos no meu braço. O fogo do meu sangue, extinguia-se, esquecido por mim que te maravilhava a face de sorriso confortável. Ver-te adormecer no meu regaço, ao som mudo que se desligava em candeeiros, transportava-me em viagens cujo único destino seriam os teus braços. Fechei os olhos e adormeci, partilhando um sopro dessincronizado. Toquei-te levemente e ali me deixei ficar.

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