quinta-feira, 4 de abril de 2013

Os Segredos do Quarto 39 [4]


"Não havia fotografias para pendurar ou poisar nos velhos móveis. Não havia memórias onde quisesse perder o meu olhar, nem feitiços emoldurados pelo tempo, que me fariam chorar de saudades."

De malas completamente vazias, arrumei-as debaixo da cama. Olhei o papel de parede, feio e morto. Decidi afastar a cama alguns centímetros. Sentada novamente na borda da cama, espreitou-me pela janela um pequeno raio de sol. Que sortuda! Podia acordar e deitar-me a olhar para ele. Mais um ponto positivo para este quarto. Infelizmente, o cheiro ao mofo continuava a incomodar-me as narinas e eu precisava de fazer qualquer coisa em relação às paredes, cuja tinta estalada fazia-me lembrar um campo de guerra daqueles jogos "violentos" que a minha mãe nunca me deixava jogar em paz, e que o meu pai ligava muito pouco.
-- É só violência... -- dizia ele abanando a cabeça de forma irónica.
Fingia estar de acordo com a minha mãe, apesar de eu sentir na sua voz, o desejo de se sentar ao meu lado e jogar também.

Levantei-me, medi a olho a largura e a altura da parede e apontei num pedaço de papel. Apontei mais umas coisas na folha, formando a seguinte lista:
3m de largura
2.5m de altura
tinta branca
espátula + lixas grossas
Se precisa-se de mais qualquer coisa, de certo que me lembraria. Peguei na carteira de documentos, onde tinha o meu cartão de crédito e guardava "quase escondida" uma nota de 10€. Coloquei o telemóvel no bolso e sai do quarto. Tranquei a porta e sai do edifício  À porta do mesmo, olhei em volta à procura de uma loja de bricolage ou de ferragens. Desci a rua que tinha à poucos pares de minutos subido com algum receio. Ali perto, vi um senhor de idade, a passear um cão lavrador lindíssimo! Bege, bonito e muito meiguinho. Por momentos acho que me esqueci porque tinha saído à rua, até que...
-- Desculpe, pode-me dar uma informação? -- perguntei balançando o meu olhar entre os do homem e o corpo do cão.

-- Se puder ajudar... -- disse, segurando a trela com mais firmeza, depois de um puxão do seu cão, ao tentar cheirar qualquer coisa em decomposição junto à borda do passeio.
-- Sabe-me dizer onde encontro uma casa que venda tintas? Tinta para pintar parede, lixas, pregos, esse tipo de coisas... -- fiquei-me a olhar para ele, enquanto o via olhar de um lado para o outro.
Depois de alguns segundos a pensar, respondeu.
-- Olhe, talvez o melhor é seguir por esta estrada. Anda uns... 200 metros e à de encontrar uma farmácia, continua em frente e vira na 2ª cortada à direita. Segue em frente durante mais alguns metros, à de passar por um café do seu lado direito, e um pouco mais à frente fica o "Bricolage Costa", do seu lado esquerdo.
Enquanto ouvia atentamente o senhor, tentava decorar o caminha, coisa que não me demorou muito tempo, visto ficar aqui perto.

Fiz a compras que tinha a fazer. Não me queria demorar muito na rua, pois o tempo parecia incerto, muito inconstante e apanhar uma molha não era propriamente o meu objectivo.
De saco na mão, voltei para casa. Quando chegava perto da estrada que me iria guiar até à porta do "hotel", começou a pingar. Primeiro na mão, outro na cabeça e um nos lábios. Olhei para cima, e uma nuvem branquinha era engolida pela coisa mais negra suja e escura que se podia continuar a encontrar num dia tão frio, traiçoeiro e feio como aquele.
Corri pela rua que nem uma doida. Quem passava por mim... melhor! Fosse quem fosse por quem passa-se  iriam pensar que estava a fugir de algum rapaz ou de algum cão. Não queria nada, mas mesmo nada que o meu cabelo ficasse desfeito com o vento que voltava a fazer-se sentir e ouvir. Este cabelo para pentear... acreditem, é "uma carga d'água"!
Subi as escadas, onde já não se via qualquer rapariga. Podia-se ver sim, um fumo espesso que saia da duas portas da entrada bem abertas para dentro, chão molhado e perigosamente escorregadio. À porta, só se viam as que fumavam, e um ou outro rapaz, que eu julgo serem namorados de umas delas. Olhei para elas e especialmente para eles, muito à pressa. O rapaz de casaco castanho até que era bem giro... Apressei-me para o meu quarto, pensando no que aquelas raparigas poderiam estar a pensar de mim. "Esta caloira é mesmo estranha!" ou "O que raio vai ela fazer com coisas de homem!?". Mas o mesmo barulho mantinha-se. Passeia pela Cláudia, que se mantinha a conversar à porta do quarto de uma amiga.
-- Foi a minha mãe que me comprou aquele verniz. Ofereceu-mo nos anos. -- Ouvi eu um bocadinho da conversa dela. Ela olhou para mim com um grande sorriso e acenou um "Olá". Respondi de volta com um pequeno sorriso e um modesto gesto.
Entrei no quarto e uma baforada de bolor entrou de rompante pelo meu nariz, como se fosse uma bomba química da mais forte lixívia pútrida.
-- "Que sorte a minha!" -- pensei. -- "Primeiro a chuva, agora isto..., estou feita ao bife com este quarto!"

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