sexta-feira, 30 de maio de 2014

Tenho medo de trovoadas... [3]



-- Ana? Vem para dentro! -- ordenou a minha mãe. Os trovões caiam, enquanto a mãe subia os degraus e caminhava até ao meu quarto. Apesar de todo o horror que testemunhava sentada naquela varanda, permanecia ali, numa tentativa de combater os meus medos.
-- Ana. Anda para dentro, estás encharcada! -- pediu ela encostada à entrada do quarto. Olhei para ela. Trazia um avental vestido, e um olhar triste. Entrou, sentou-se ao fundo na cama e deixou-se ficar a olhar para mim, sentindo na cara o vento forte e o frio das gotas da chuva. Não me disse mais nada. Não mexeu a boca nem fez qualquer gesto. Senti o seu corpo entristecer-se a cada raio que lhe iluminava a pele.
Levantei-me, corri a porta e permaneci de pé, pingando o medo que ainda transpirava. Seguiram-se explosões atrás de explosões, criando uma luz tão intensa que iluminava o meu quarto e me fazia o peito parar de respirar. Todo o meu corpo tremia involuntariamente e levei novamente as mãos às orelhas. Fechei com força os olhos e senti alguma coisa apertar-me. Chorei e encolhi-me. Não havia espelhos no quarto para verem aquele momento tão raro de afecto de mãe para filha. E eu... esperava muito mais do seu corpo, do seu abraço. Mais calor e menos choro. Mais força e menos soluçar. Esperava dela outra textura, mas tudo o que podia sentir sobe a minha frágil pele, era o chão liso do meu quarto onde passava os meus dias.
O tiro surgiu de novo nos meus ouvidos e fugi para um canto, destruindo o único momento de afecto que possibilitei à minha mãe ao fim de tantos anos.
-- Mãe! Tenho medo! -- gritei-lhe com o pânico no rosto.

Não é da solidão que tens medo, é de ti!

Sem comentários:

Enviar um comentário