Sob os olhares atentos, caminhei até ao fundo do corredor do 1º piso, e encontrei do lado direito uma porta sem número, com arranhões e a tinta queimada da exposição ao Sol. Do lado esquerdo, o nº 40, mal se aguentava em pé e a cor do metal prateado perdia o seu brilho de outrora. "Que sorte a minha, deram-me logo um quarto com a porta a cair aos bocados.".
Semiaberta, espreitei.
Bati duas vezes e abri devagarinho...
A escuridão cobri aquele quarto com duas janelas para o exterior. Estavam trancadas e apenas a luz que conseguia passar pelas apertadas frestas me ajudavam a desenhar um caminho sobre aqueles tacos de madeira velhos, tortos e descolados. Apalpei a parede do meu lado direito, à procura do interruptor. A luz cegou-me por uns segundos, e pude contemplar a porcaria sem vida e sem cor que se despojava à minha frente. Paredes pintadas com um tom cinzento escuro, riscadas e rabiscadas com vários tons de cores de caneta. Não existia carpete. Do meu lado direito, uma mesinha pequena sem candeeiro, uma gaveta e uma portinha pequena, e ao seu lado, uma cama. Um estrado de madeira que pouca força tinha para aguentar o colchão despido de lençóis, com os mesmos embrulhados no seu centro. No topo, uma almofada branca normal, sem forro. Aos pés da cama, a pouco menos de 2 metros, um armário velho. Bem, para resumir aquele quarto, tudo o que estava nele, era velho. Tinha medo de tocar no que quer que fosse, não ficasse com um pedaço na mão. E o chão? Lembrava-me daquelas quedas de chão que surgiam nos noticiários e imaginava-me a cair e ficar entalada nos destroços no piso de baixo.
O mundo universitário, sentia-se nas paredes do meu quarto, como um murmúrio. Parecia um pátio conquistado por crianças da primária. Com gritos e correrias, numa casa oca como o uivo de um mocho.
Pousei as malas em cima da cama, destranquei as portas das janelas e pude ver o nevoeiro dissipar com o vento, mas a chuva parecia estar para ficar. O meu cérebro ordenou-me que abri-se uma janela para deixar entrar ar, para arejar aquele quarto bolorento, mas rapidamente lhe respondi que não. O melhor a fazer era esperar que o tempo ficasse mais calorento. Infelizmente, provavelmente até, felizmente, nada tinha que me retese o dia todo naquele quarto. Tinha de ir comprar um interruptor novo, e uma forra para a almofada. Se eu soubesse que aquele iria ser o meu quarto durante o resto do ano, tinha trazido o meu pai comigo, mas... estava por minha conta.
Arrumei as malas ao quanto do quarto junto ao armário, e dirigi-me para a cama. Pousei os lençóis em cima da mesinha de cabeceira, e levantei o colchão. Queria certificar-me de que estava em bom estado. Parecia bem. Aguerracei as mangas e meti mãos à obra. Estiquei os lençóis, a colcha, e fiz a cama. Atirei com a almofada para cima da cama e deparei-me com a ausência de cortinados nas janelas. Mais coisas para o cesto...
O nevoeiro subia devagar, e o sol espreitava ainda envergonhado ou encolhido daquele frio penetrante, e decidi, por pouco tempo, abrir a janela. Não havia tanto vento como à uns minutos atrás, continuava a chover mas o sol sentia-se na cara. Debrucei me então, percorrendo aquele pequeno espaço da grande cidade, localizando estudantes trémulos do frio e do medo, carros, passeios, contentores, pombos, lojas e árvores. Ouviam-se os cães comunicar entre si, passando o latido de boca em boca.
O som da chuva sobre as árvores perto da minha janela, hipnotizava-me, mas o frio rapidamente me devolvia à realidade. "Tenho de tentar desenhar esta paisagem..."
Alguém me disse um dia: "Não tentes, faz!" Fazer algo que pode não ficar bonito ou perfeito, deixa-me triste, porque não soube nem sei ser melhor, e tentar parece ser muito mais fácil do que fazer. Mas... fazer sempre é melhor do que tentar. Tentar fazer, ou fazer?
Encostei a janela, sentei-me na ponta da cama e levei as mãos à cara. Aconcheguei-a, escondida. Aqueciam-me a face de nariz rosado e cobriam-me os olhos da solidão morta daquele armário apertado que me fazia lembrar um quarto de uma casa abandonada. Sentia-me pequenina, sozinha, no frio da casa de campo dos meus avós. Tinha chegado o momento de caminhar por mim. Tinha mesmo? É que eu não me sentia minimamente preparada. Senti um aperto no peito e chorei uma lágrima por dentro, desejando voltar a ser criança, de sorriso na cara, de orelha a orelha. Vontade de poder correr e fazer festas ao Cookie. De ser mimada e amada pelos meus pais. Fui atirada ao mundo. Não sinto que os meus pais me enganaram, que mentiram que íamos comer um gelado e afinal ia levar umas injecções. Sei que tentaram preparar-me, mas ser-se sozinho neste mundo, desta maneira, é como tirar a carta de carro. Só se aprende realmente a andar quando pegamos no carro pela primeira vez, com a carta no bolso e não estiver ninguém ao nosso lado a controlar os pedais. Quase como andar de bicicleta sem rodinhas de apoio. Aprendemos a "viver" na sociedade, aos poucos. Mas num "pouco" que desejam à pressa. Numa pressa que não ensina, não educa, não consciencializa. Controlados no tempo, nas emoções, nas opiniões. Numa sociedade "democrática" sem liberdade, quer de expressão, quer de opinião. Tinha saudades da minha pequenês.
Ouvi um caminhar junto à porta, e lancei os olhos para a maçaneta. Bateram três vezes. Esperei um pouco e levantei-me enquanto verifica a arrumação daquele quarto velho e rabugento. A maçaneta estava gelada e ao abrir, senti os meus dedos colarem-se a ela. Fui apanhada como um insecto! "Ui tão frio...". Senti um arrepio na espinha.
Abri a porta e diante de mim uma luz dourada brilhou, trespassando-me os olhos. Os raios de sol cegaram-me e depressa ergui a mão para criar uma sombra. A pequena janela fizera a sua primeira vitima. "Com caraças!" pensei eu. Mas antes de me recompor daquele "violento" ataque, fui "agredida" de novo.
-- Ola! Eu sou a Cláudia. -- disse a rapariga com um sorriso metálico.
Bati duas vezes e abri devagarinho...
A escuridão cobri aquele quarto com duas janelas para o exterior. Estavam trancadas e apenas a luz que conseguia passar pelas apertadas frestas me ajudavam a desenhar um caminho sobre aqueles tacos de madeira velhos, tortos e descolados. Apalpei a parede do meu lado direito, à procura do interruptor. A luz cegou-me por uns segundos, e pude contemplar a porcaria sem vida e sem cor que se despojava à minha frente. Paredes pintadas com um tom cinzento escuro, riscadas e rabiscadas com vários tons de cores de caneta. Não existia carpete. Do meu lado direito, uma mesinha pequena sem candeeiro, uma gaveta e uma portinha pequena, e ao seu lado, uma cama. Um estrado de madeira que pouca força tinha para aguentar o colchão despido de lençóis, com os mesmos embrulhados no seu centro. No topo, uma almofada branca normal, sem forro. Aos pés da cama, a pouco menos de 2 metros, um armário velho. Bem, para resumir aquele quarto, tudo o que estava nele, era velho. Tinha medo de tocar no que quer que fosse, não ficasse com um pedaço na mão. E o chão? Lembrava-me daquelas quedas de chão que surgiam nos noticiários e imaginava-me a cair e ficar entalada nos destroços no piso de baixo.
O mundo universitário, sentia-se nas paredes do meu quarto, como um murmúrio. Parecia um pátio conquistado por crianças da primária. Com gritos e correrias, numa casa oca como o uivo de um mocho.
Pousei as malas em cima da cama, destranquei as portas das janelas e pude ver o nevoeiro dissipar com o vento, mas a chuva parecia estar para ficar. O meu cérebro ordenou-me que abri-se uma janela para deixar entrar ar, para arejar aquele quarto bolorento, mas rapidamente lhe respondi que não. O melhor a fazer era esperar que o tempo ficasse mais calorento. Infelizmente, provavelmente até, felizmente, nada tinha que me retese o dia todo naquele quarto. Tinha de ir comprar um interruptor novo, e uma forra para a almofada. Se eu soubesse que aquele iria ser o meu quarto durante o resto do ano, tinha trazido o meu pai comigo, mas... estava por minha conta.
Arrumei as malas ao quanto do quarto junto ao armário, e dirigi-me para a cama. Pousei os lençóis em cima da mesinha de cabeceira, e levantei o colchão. Queria certificar-me de que estava em bom estado. Parecia bem. Aguerracei as mangas e meti mãos à obra. Estiquei os lençóis, a colcha, e fiz a cama. Atirei com a almofada para cima da cama e deparei-me com a ausência de cortinados nas janelas. Mais coisas para o cesto...
O nevoeiro subia devagar, e o sol espreitava ainda envergonhado ou encolhido daquele frio penetrante, e decidi, por pouco tempo, abrir a janela. Não havia tanto vento como à uns minutos atrás, continuava a chover mas o sol sentia-se na cara. Debrucei me então, percorrendo aquele pequeno espaço da grande cidade, localizando estudantes trémulos do frio e do medo, carros, passeios, contentores, pombos, lojas e árvores. Ouviam-se os cães comunicar entre si, passando o latido de boca em boca.
O som da chuva sobre as árvores perto da minha janela, hipnotizava-me, mas o frio rapidamente me devolvia à realidade. "Tenho de tentar desenhar esta paisagem..."
Alguém me disse um dia: "Não tentes, faz!" Fazer algo que pode não ficar bonito ou perfeito, deixa-me triste, porque não soube nem sei ser melhor, e tentar parece ser muito mais fácil do que fazer. Mas... fazer sempre é melhor do que tentar. Tentar fazer, ou fazer?
Encostei a janela, sentei-me na ponta da cama e levei as mãos à cara. Aconcheguei-a, escondida. Aqueciam-me a face de nariz rosado e cobriam-me os olhos da solidão morta daquele armário apertado que me fazia lembrar um quarto de uma casa abandonada. Sentia-me pequenina, sozinha, no frio da casa de campo dos meus avós. Tinha chegado o momento de caminhar por mim. Tinha mesmo? É que eu não me sentia minimamente preparada. Senti um aperto no peito e chorei uma lágrima por dentro, desejando voltar a ser criança, de sorriso na cara, de orelha a orelha. Vontade de poder correr e fazer festas ao Cookie. De ser mimada e amada pelos meus pais. Fui atirada ao mundo. Não sinto que os meus pais me enganaram, que mentiram que íamos comer um gelado e afinal ia levar umas injecções. Sei que tentaram preparar-me, mas ser-se sozinho neste mundo, desta maneira, é como tirar a carta de carro. Só se aprende realmente a andar quando pegamos no carro pela primeira vez, com a carta no bolso e não estiver ninguém ao nosso lado a controlar os pedais. Quase como andar de bicicleta sem rodinhas de apoio. Aprendemos a "viver" na sociedade, aos poucos. Mas num "pouco" que desejam à pressa. Numa pressa que não ensina, não educa, não consciencializa. Controlados no tempo, nas emoções, nas opiniões. Numa sociedade "democrática" sem liberdade, quer de expressão, quer de opinião. Tinha saudades da minha pequenês.
Ouvi um caminhar junto à porta, e lancei os olhos para a maçaneta. Bateram três vezes. Esperei um pouco e levantei-me enquanto verifica a arrumação daquele quarto velho e rabugento. A maçaneta estava gelada e ao abrir, senti os meus dedos colarem-se a ela. Fui apanhada como um insecto! "Ui tão frio...". Senti um arrepio na espinha.
Abri a porta e diante de mim uma luz dourada brilhou, trespassando-me os olhos. Os raios de sol cegaram-me e depressa ergui a mão para criar uma sombra. A pequena janela fizera a sua primeira vitima. "Com caraças!" pensei eu. Mas antes de me recompor daquele "violento" ataque, fui "agredida" de novo.
-- Ola! Eu sou a Cláudia. -- disse a rapariga com um sorriso metálico.
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