Sentámo-nos à mesa, no macdonalds, poisámos os tabuleiros e comemos algumas batatas.
Olhei para ela, e os seus olhos concentraram-se num nada, lá fora, através das janelas, onde só os carros passavam de tempos a tempos e a chuva caía devagar. Ouviam-se as crianças a rir e a brincar, um silêncio fez-se na sua cabeça, a sua visão afunilou no passeio molhado e a sua respiração parou num pequeno suspiro, as suas mãos pararam de tremer, os seus olhos de piscar e pude ver o bater forte do seu coração nas veias do seu pescoço. Uma lágrima escorreu-lhe pela cara...
-- Estás bem? Onde estiveste?
-- Numa memória... saudades que me deixam sem ar. Sinto-me frágil, enfadonha, triste, incompetente... a minha vida escapou-me das mãos, a única coisa que eu mais desejava ver crescer e ser feliz, foi-me arrancada e por muito que eu lutasse por ela... não foi suficiente! Não consegui estar lá e lutar. Lutaria por ela mas não pude e isso destroça-me!
-- Nunca chega. Nunca irá chegar... -- agarrei-lhe as mãos com força, olhei-a nos olhos e continuei -- Tenho saudades dela, sabes disso, e por muito cruel que possa parecer dizer-te isto... olhar para estas crianças todas, com um grande sorriso na cara, faz-me recordar os momentos que passámos juntos com ela, neste mesmo local. Quando ela brincava e corria por todo o lado, falava com todos e era sempre simpática. Possa... -- um nó apertou-me a garganta e as lágrimas escorreram-me pela cara quase como se fosse a chuva lá fora -- Tenho tantas saudades dela!
A Teresa chorou, os olhos vermelhos fizeram-me entristecer ainda mais, e abraçámo-nos sem pensar. Ver a minha mulher tão triste e desamparada, com a imagem da nossa filha... ali, mesmo ao nosso lado com toda a sua simplicidade e ingenuidade a perguntar-nos:
-- Está tudo bem papá?
Na cama do hospital
-- Lamento não ter conseguido ser o pai que devia ter sido. Curar-te, fazer-te sorrir de novo, correr... desejava ter feito muito mais, ter-te levado para todo o lado.
-- Não lamentes pai, morrer não é vergonha. Foste o melhor pai que soubeste ser, ensinas-te-me a sorrir nos tempos mais difíceis Ensinaste-me a lutar nos piores momentos da minha vida, e amanhã podes não me ter junto de ti e da mãe mas... quero que te sintas orgulhoso por me terem mostrado o mundo com os vossos olhos... Sei que não o conheci através de outros horizontes, nem outras paisagens, mas os vossos fizeram-me mais feliz do que alguma vez podia imaginar ser um conto de fadas.
-- Devia-mos ter feito mais! Devia ter dado muito mais...
-- Deste o suficiente e ninguém te culpará. Nem eu, e especialmente a mãe, te culparemos. Porque cada vez que penso em ti, te vejo nos meus sonhos ou aqui sentado ao meu lado, sinto os teus braços à minha volta, apertarem-me o coração com ternura, amor e carinho. Sinto-me aconchegada junto de ti e da mãe e quando partir, será com um forte abraço em família... -- sorrio pedindo um abraço.
No restaurante
-- Recordo-a no jardim, a brincar na relva, de o sol bater-lhe na cara e fazer-me caretas com a língua. De a minha barriga fazer uns barulhos estranhos e ficar absorvida por um momento... a primeira vez que se mexeu... a primeira caminhada, o primeiro choro e a primeira explosão de raiva. Porque até as coisas "más" são boas, e só agora lhes começo a dar ainda mais amor e sentimento. Porque eu via, podia sentir, mas não com esta saudade, que me faz ver as coisas e o mundo de uma maneira tão... pura. E no fundo... são apenas sentimentos. Ela sim, fez-nos ver, E SENTIR, o mundo de maneira diferente! E isso, nunca irei perder. Não está ao nosso lado a comer batatas fritas e a rir-se com a boca toda suja de ketshup, mas está em mim, dentro de mim, e a minha vida terá para sempre uma parte dela, faça o que fizer, o que disser, o que sentir. Ela estará comigo, connosco, neste mesa ou no fim do mundo. A minha luta por ela só vai parar quando morrer.
-- Conhecendo-te como te conheço... vais levar essa luta para a cova, e eu estarei lá contigo, ao teu lado.
-- Achas que fomos bons pais? -- perguntou-me olhando para mim acariciando-me as mãos.
-- Faria tudo de novo!!
Porque a dor é mais depressa relembrada que a felicidade, faz de nós animais inteligentes e conscientes. Queremos, desejamos e lutamos por voltar a sentir um beijo, um abraço e palavras no ouvido, enquanto os maus momentos são relembrados com nostalgia. Porque não precisamos de receber um choro, mas um sorriso. Porque a alegria e a intensidade de sentir a saudade libertar-se do peito, faz de nós, de mim e de ti, criaturas que anseiam por mais uma fatia de amor, como um bolo que nos contagia, um sorriso que nos enrijece a alma. Porque sentir saudades e fraquejar perante memórias tão belas, de nos fazer chorar ou sorrir de alegria, faz-nos viver e reviver. Ensina-nos a dar valor aos pequenos momentos, torna-os reais. Para que no dia do nosso ultimo piscar de olhos... desenhemos um largo sorriso na cara, sem tristeza:
-- Disse tudo o que sentia, fiz tudo o que pude e não me arrependo de ter sido e ter feito outros feliz.
-- Disse tudo o que sentia, fiz tudo o que pude e não me arrependo de ter sido e ter feito outros feliz.
Ela olhou-me nos olhos e sorrio. Não havia medo nem desconforto, apenas saudades... brilharam à luz dos candeeiros e senti então, que estava orgulhosa em me ter ao lado dela e termos os três, ultrapassado por tanto. Defendermos o que mais nos era precioso, de tudo o que a natureza, na sua profunda e incontestável sabedoria e força, nos atirou.
E sim, naquele momento, a nossa Inês estaria ali ao nosso lado, suja e sorridente, alegre e feliz.
-- Adoro-vos!
No entanto, não podiam deixar de pensar como seria Inês, uma jovem adulta, tão participativa como era quando os deixou...
No entanto, não podiam deixar de pensar como seria Inês, uma jovem adulta, tão participativa como era quando os deixou...
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Inspiração: My Sister's Keeper (Para a Minha Irmã) (2009)
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