sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Morrer não é vergonha...




Sentámo-nos à mesa, no macdonalds, poisámos os tabuleiros e comemos algumas batatas.
Olhei para ela, e os seus olhos concentraram-se num nada, lá fora, através das janelas, onde só os carros passavam de tempos a tempos e a chuva caía devagar. Ouviam-se as crianças a rir e a brincar, um silêncio fez-se na sua cabeça, a sua visão afunilou no passeio molhado e a sua respiração parou num pequeno suspiro, as suas mãos pararam de tremer, os seus olhos de piscar e pude ver o bater forte do seu coração nas veias do seu pescoço. Uma lágrima escorreu-lhe pela cara...
-- Estás bem? Onde estiveste?
-- Numa memória... saudades que me deixam sem ar. Sinto-me frágil, enfadonha, triste, incompetente... a minha vida escapou-me das mãos, a única coisa que eu mais desejava ver crescer e ser feliz, foi-me arrancada e por muito que eu lutasse por ela... não foi suficiente! Não consegui estar lá e lutar. Lutaria por ela mas não pude e isso destroça-me!
-- Nunca chega. Nunca irá chegar... -- agarrei-lhe as mãos com força, olhei-a nos olhos e continuei -- Tenho saudades dela, sabes disso, e por muito cruel que possa parecer dizer-te isto... olhar para estas crianças todas, com um grande sorriso na cara, faz-me recordar os momentos que passámos juntos com ela, neste mesmo local. Quando ela brincava e corria por todo o lado, falava com todos e era sempre simpática. Possa... -- um nó apertou-me a garganta e as lágrimas escorreram-me pela cara quase como se fosse a chuva lá fora -- Tenho tantas saudades dela!

A Teresa chorou, os olhos vermelhos fizeram-me entristecer ainda mais, e abraçámo-nos sem pensar. Ver a minha mulher tão triste e desamparada, com a imagem da nossa filha... ali, mesmo ao nosso lado com toda a sua simplicidade e ingenuidade a perguntar-nos:
-- Está tudo bem papá?


Na cama do hospital
-- Lamento não ter conseguido ser o pai que devia ter sido. Curar-te, fazer-te sorrir de novo, correr... desejava ter feito muito mais, ter-te levado para todo o lado.
-- Não lamentes pai, morrer não é vergonha. Foste o melhor pai que soubeste ser, ensinas-te-me a sorrir nos tempos mais difíceis  Ensinaste-me a lutar nos piores momentos da minha vida, e amanhã podes não me ter junto de ti e da mãe mas... quero que te sintas orgulhoso por me terem mostrado o mundo com os vossos olhos... Sei que não o conheci através de outros horizontes, nem outras paisagens, mas os vossos fizeram-me mais feliz do que alguma vez podia imaginar ser um conto de fadas.
-- Devia-mos ter feito mais! Devia ter dado muito mais...
-- Deste o suficiente e ninguém te culpará. Nem eu, e especialmente a mãe, te culparemos. Porque cada vez que penso em ti, te vejo nos meus sonhos ou aqui sentado ao meu lado, sinto os teus braços à minha volta, apertarem-me o coração com ternura, amor e carinho. Sinto-me aconchegada junto de ti e da mãe e quando partir, será com um forte abraço em família... -- sorrio pedindo um abraço.

No restaurante
-- Recordo-a no jardim, a brincar na relva, de o sol bater-lhe na cara e fazer-me caretas com a língua. De a minha barriga fazer uns barulhos estranhos e ficar absorvida por um momento... a primeira vez que se mexeu... a primeira caminhada, o primeiro choro e a primeira explosão de raiva. Porque até as coisas "más" são boas, e só agora lhes começo a dar ainda mais amor e sentimento. Porque eu via, podia sentir, mas não com esta saudade, que me faz ver as coisas e o mundo de uma maneira tão... pura. E no fundo... são apenas sentimentos. Ela sim, fez-nos ver, E SENTIR, o mundo de maneira diferente! E isso, nunca irei perder. Não está ao nosso lado a comer batatas fritas e a rir-se com a boca toda suja de ketshup, mas está em mim, dentro de mim, e a minha vida terá para sempre uma parte dela, faça o que fizer, o que disser, o que sentir. Ela estará comigo, connosco, neste mesa ou no fim do mundo. A minha luta por ela só vai parar quando morrer.
-- Conhecendo-te como te conheço... vais levar essa luta para a cova, e eu estarei lá contigo, ao teu lado.
-- Achas que fomos bons pais? -- perguntou-me olhando para mim acariciando-me as mãos.
-- Faria tudo de novo!!


Porque a dor é mais depressa relembrada que a felicidade, faz de nós animais inteligentes e conscientes. Queremos, desejamos e lutamos por voltar a sentir um beijo, um abraço e palavras no ouvido, enquanto os maus momentos são relembrados com nostalgia. Porque não precisamos de receber um choro, mas um sorriso. Porque a alegria e a intensidade de sentir a saudade libertar-se do peito, faz de nós, de mim e de ti, criaturas que anseiam por mais uma fatia de amor, como um bolo que nos contagia, um sorriso que nos enrijece a alma. Porque sentir saudades e fraquejar perante memórias tão belas, de nos fazer chorar ou sorrir de alegria, faz-nos viver e reviver. Ensina-nos a dar valor aos pequenos momentos, torna-os reais. Para que no dia do nosso ultimo piscar de olhos... desenhemos um largo sorriso na cara, sem tristeza:
-- Disse tudo o que sentia, fiz tudo o que pude e não me arrependo de ter sido e ter feito outros feliz.


Ela olhou-me nos olhos e sorrio. Não havia medo nem desconforto, apenas saudades... brilharam à luz dos candeeiros e senti então, que estava orgulhosa em me ter ao lado dela e termos os três, ultrapassado por tanto. Defendermos o que mais nos era precioso, de tudo o que a natureza, na sua profunda e incontestável sabedoria e força, nos atirou.
E sim, naquele momento, a nossa Inês estaria ali ao nosso lado, suja e sorridente, alegre e feliz.
-- Adoro-vos!
No entanto, não podiam deixar de pensar como seria Inês, uma jovem adulta, tão participativa como era quando os deixou...

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Inspiração: My Sister's Keeper (Para a Minha Irmã) (2009)

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