segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Entretida no teu colo...


-- Segura-lhe. -- disse-me a irmã mais velha de forma convidativa.
-- "Vai ser só por um bocadinho" -- prometi a mim mesmo.
Recebi-a nos meus braços e tentei segurá-la de forma a ficar confortável. Em pé, assim me deixei ficar enquanto as cantigas da minha infância tocavam num leitor de CDs. Relembrei-me delas, das músicas, do som, mas as letras estavam gastas na minha memória. Limitei-me a estar em silêncio, enquanto a sentia agitar as pernitas no ar, quase sincronizadas com a minha dança. Foi um momento gratificante, porque percebi que estava a comunicar com ela da maneira correcta, e não da maneira mais chata. Não chorava e isso deixava-me descansado.
Manteve-se calma a ouvir a música, agarrando por vezes no meu cabelo e nos meus dedos. De costas para mim, sentei-me, deixando-a entretida com um galho mole de um planta suspensa.
As suas pequenas mãos, tentava arrancar as folhas, estava entretida e isso deixava-me ainda mais descansado.
Por vezes sentia uma vontade enorme de a sentir minha, e depositava a cara na sua cabeça, ou ao lado da orelha de forma a dar-lhe um carinho; mas sentia uma falha entre mim e aquela criança. Uma falha de amor. Apesar de a estar a tratar muito bem, não sentia a ligação que existe entre pai e filho. Não queria ser aquilo que não era e tinha pena que aquela criança tão pequenina nos meus braços não fosse minha.
Num momento de epifania, sentia o desejo de a acarinhar e a apertar com força contra o meu peito, de a beijar na cabeça e aconchegá-la, virá-la para mim e falar para ela, brincar com ela. Mas não queria perder a "confiança" que tinha conquistado até àquele momento. Tinha medo de a fazer chorar e aparecer alguém para me a tirar dos braços por ter mais experiência que eu.

Mais para o fim da minha "longa" experiência como "pai", talvez neste caso, babysitter, ficou agarrada a uma folha na sua mão. Tentada a colocá-la na boca, esforçava-me para tal não acontecesse. Com os meus dedos tentei-lhe abrir a mão esquerda e abri a minha mão. Deixei-a deslizar debaixo da dela, para cima e para baixo. Ficou entretida e sozinha já movia a sua mãosita na minha. Tentei despertar-lhe o interesse para a minha pulseira e subi o braço, foi então que ela esticou os seus deditos, e esfregou a mão sobre o meu braço, quase como uma festa. Tentava agarrá-la enquanto o sono começava a conquistar a sua energia.

Na festa, algumas pessoas olhavam para mim, e até comentavam:
-- Tens jeito! Até está sossegada...
-- Não era esta que estava a chorar?
Alguém respondeu que sim, mas como eram gémeas, ninguém tinha bem a certeza.
Não sabia, e ainda hoje não sei, pegar num bebé, não com instinto, talvez com alguma teoria, mas isso não chega. Pelo bem ou pelo mal, ela ficou sossegada e entretida no meu colo e isso para mim já é uma grande vitória. Mais tarde nesse dia, ao recordar o momento, senti e percebi que afinal não estou assim tão longe de me tornar no pai que ambiciono ser um dia.
Tanta gente a duvidar de mim, e pelos vistos estou-me a dar melhor do que pensavam...

Não sei o que os meus pais sentiram, mas acho que ficaram orgulhosos, talvez, ao ver um filho segurar num bebé e todos dizerem que tinha jeito. Eles próprios sentirem que estava quase preparado para cuidar de um. E ainda eu sei que eles estão confiantes que irei tratar bem dos meus filhos.
-- É mais difícil do que parece. -- comentei com o pai da aniversariante.
-- Nem imaginas. -- respondeu.
-- Não, não é nada! -- retorquiu o meu pai.
-- Quando fores pai, verás que vale a pena todo o esforço e trabalho que se tem no inicio. -- completaram-se um pouco os dois. Eu percebi, compreendi o que queriam dizer, mas não o senti. Por enquanto, seriam só palavras. Espero que um dia o deixem de ser para ser algo mais. Muito mais...


Pela primeira vez na minha vida, sinto que estou a caminhar da forma mais correcta que sou capaz, e a recolher os frutos que consigo, do meu esforço, da minha excessiva preocupação, da minha capacidade de ver e sentir o mundo, da minha vontade de ser diferente e de querer estar preparado para ensinar o melhor que souber.
Pela primeira vez na minha vida, não me sinto um badinas. Apesar de ainda ser muito garoto, muito imaturo, muito irresponsável. O meu esforço está a dar bons resultados, pé-ante-pé, contrariando as criticas desconstrutivas que recebo de tudo e todos. Mas para vocês, eu continuo errado. Não é?

A criança ficou entretida no meu colo. Soube naquele momento, que não estava a falhar na minha vida, mas a conquistar. Ontem vi, aquilo que posso e irei ser um dia.
Tive pena de não me terem tirado uma foto... gostava de relembrar o momento.

Sem comentários:

Enviar um comentário