domingo, 12 de maio de 2013

Uma organização anti-natura...


Hoje, na fila do supermercado, vi um garotito ajoelhado, a mexer nuns pequenos pacotes de balões. O que me intrigou. Não por estar a mexer, interessado, a "brincar" com aquelas embalagens individuais espalhadas pela caixa, fora do ferro de exposição, mas sim a "dedicação" com que se sentou a tentar arrumar.

Veio-me uma pergunta à cabeça, comparando-me a ele com a mesma idade. Será que ele em casa faz o mesmo com gosto, com dedicação? Ou fá-lo apenas para arrumar, porque está aborrecido, não tem nada para fazer, e... aquilo até está tirado do sitio. À primeira, até pensei que fosse voltar a colocar nos ferritos, mas deixou estar. Pôs-se antes a atirar uns para cima dos outros, para um canto, sem ordem, sem organização de tamanhos ou feitios. Diria até que ele é mais um daqueles que desiste assim que percebe que as coisas demoram a fazer, a concluir. Pelo esforço que fez em organizar convenientemente aquilo, foi fácil perceber que não está minimamente interessado em fazer as coisas da forma correcta. Apenas fazer.
O cérebro dele ainda não tem ordem, não tem regras nem ordens vincadas pela sociedade, mas tê-las à um dia.
O interessante e mais curioso daquela breve observação, foi o facto de ele estar programado socialmente, para "arrumar". Não significa que o faça em casa, com os seus brinquedos, mas arrumou. Sentiu-se impelido, no meio daquele aborrecimento todo à espera na fila. Já entende programaticamente o que é "desarrumado" e o que é "organizado". O facto de não se ter importado com a maneira como empilhava as coisas, demonstrava também que, ou ainda não tinha tacto para tal pensamento, ou o próprio cérebro ainda não estava desenvolvido o suficiente para se sentir obrigado em fazer as coisas de uma certa forma mecanizada, absorvida pelo exemplo e repetida.

Temos o gosto de ter as coisas perfeitas, de ver as coisas perfeitas, direitas, limpas, rectas, lisas, brilhantes, bonitas, arranjadas, corrigidas, sem imperfeições, sem riscos, sem erros, sem defeitos, sem dobras, sem amolgadelas. Tudo muito anti-natura. Imperfeitamente "correcto".
Não será a nossa mania algo que não existe nem pertence à natureza? O chamado "caos"? Mais nenhum animal é tão "organizado" como nós. Talvez uma das razões para isso tenha surgido na Roma e Grécia antiga, quando as casas passaram a ter paredes direitas, com cantos, com roda-pés e portas, para apanhar o pó, ou diminuir a sua acumulação. Segundo vi num documentário sobre vírus/saúde no Odisseia à coisa de 1 ano.
Foi a partir do momento em que colocámos portas e separámos divisões que antes davam acesso a tudo. Por exemplo, na antiguidade, fazia-se sexo em qualquer lado, mesmo nas casas, e tomava-se banho, fazia-se as necessidades, sem qualquer tipo de divisórias ou privacidade. Não havia "vergonha". A "mania" do individualismo, surgiu em parte, teorizo eu, como uma tentativa de separar e fechar, potenciais riscos que cada ser humano trazia e espalhava onde quer que toca-se. Nas casas de banho, fecha-se a 4 paredes, filtra-se o ar, e o próprio cheiro ou resíduos são eliminados todos os dias. Não é como nas nossas casas de banho, que são limpas talvez... 1 vez por semana? O que estou a tentar dizer é que nós nunca fomos "organizados". A própria roda não tinha traços rectos, não era um rectângulo, era uma roda, uma imperfeição perfeita e evolutiva.
Mas as lanças... essas tinham de ser o mais direitas e "perfeitas" possíveis, para voar mais longe e melhor. As roupas não tinham necessidade de serem tão grandes em certas zonas do corpo e até do chão das casas começámos a exigir que ficassem mais secas, ao invés de molhadas, lamacentas, poeirentas ou pedrosa para os pés. Tinha de ser lisa, pois os nossos pés perdiam a capacidade de caminhar sobre terreno acidentado como antes.
Com a industrialização, modernização e estandardização do mundo que nos rodeia, tornámos-nos naquilo que somos melhores. Fanáticos pelo "correcto", pelo "organizado". Odiamos caos e incoerência. Odiamos confusão visual, barulho e sabores que não estamos preparados, quer física como psicologicamente para decifrar e trabalhar.
Vê-mos esse resultado de organização cerebral e interpretativa, nas revistas, nos placares e posters de publicidade. Na organização das letras e de um texto. Nas imagens de modelos, na composição de um texto, de uma fotografia, de um conjunto de cores, efeitos e feitios numa roupa ou numa página da internet. Nos icons, nas cores da fruta, de sinais de transito ou universais. Somos organizados compulsivos, e tornámos-nos sem saber, em arquivadores.
Somos viciados em "perfeição", e exigimos-lo instintivamente perante fêmeas ou machos aptos a procriar. Uma guerra microscópica que dura à milhares de milhões de anos. Somos assim, não por termos deixado de ser animais "irracionais", descontrolados e selvagens, mas precisamente por termos deixado de ser como os animais "irracionais", descontrolados, selvagens e preparados para o mundo selvagem e animalesco, duro, frio, seco e exigente.

A criança fez, o que está social e comercialmente preparada. Para o que foi "programada" psicologicamente  Não é por necessidade, porque os brinquedos ficarão no chão, ao monte, espalhados, até causarem desconforto e ocuparem espaço para outros tipos de actividades. E quando digo que não foi por necessidade, porque nada daquilo lhe pertencia, significa apenas que a necessidade, foi implantada pelo cérebro ordeiro, pela força do hábito. A mesma força ordeira, que temos para enrolar um novelo de lã, corda ou dobrar umas calças. Porque aprendemos, é eficaz e economicamente temporal.
Seremos animais com hábitos que se tornaram "obrigatórios" para a nossa sobrevivência psíquica e social, ou hábitos que levámos ao extremo? Acredito que somos animais, que, neste pequeno mundo de organização caótica que aqui abordei, melhorámos o que se tornou insuportável, e aperfeiçoámos o que já havia. Mas não somos melhores. Psicologicamente, exigimos menos esforço, e isso.... é o pior de toda esta organização. Facilidade/facilitismo.

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