segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Somos a criatura que melhor combate o tédio...

[Gardening - Bibury, England August]

O homem vive única e exclusivamente para satisfazer o tédio de viver. Não há nada de relevante em se ser vivo e em estar vivo. Sobreviver é por si só a necessidade de não sucumbir ao tédio. Tanto a caça como a fuga são as raízes que sustentam a árvore da nossa consciência que não quer estar aborrecida e parada. A consciência dá então origem ao interesse pelo que nos rodeia, às perguntas sem resposta. Uma consciência, a nossa, que transcende a capacidade de pensar dos animais de forma abstracta. E mesmo que lhes seja ensinado, aos animais, os números e as cores, em nada isso muda a sua vida enfadonha; Torna até pior, pois agora os animais "educados" fazem ainda mais perguntas, pois compreendem ligeiramente melhor o que vêm e talvez até o que sentem.
Provando assim que o ser humano, tal como os animais, não têm qualquer tipo de plano divino ou astral nesta vida, neste planeta ou neste universo.
O tédio evoluiu-nos e continua a fazer-nos evoluir, pois é nos momentos mais parados da nossa vida, como a ida à casa de banho ou durante o sono, que o cérebro tem tempo e processamento suficientemente reduzido para trabalhar ideias, conversas, imagens, sons e cheiros com mais atenção e pormenor.
"Comecemos pelo principio. No principio, havia um Paraíso, onde o homem vivia sozinho. Havia apenas um único inconveniente, comum a todos os paraísos terrestres, celestes e subterrâneos: Adão aborrecia-se de morte, desfiando lamentos ao bom Deus. Um dia, estava ele a dormitar, foi-lhe retirado um osso excedentário, do qual se fez uma mulher para seu prazer, distração e companhia. Porém, a felicidade não durou muito tempo."
A Génese Natural: Sobre a situação singular dos machos na humanidade - Asger Jorn [pág. 35]

"Que a vida humana deve ser algum tipo de erro está suficientemente provado pela simples observação de que o homem é um conjunto de necessidades que dificilmente são satisfeitas; que a sua satisfação nada consegue a não ser uma situação indolor em que apenas cede ao tédio; e que o tédio é uma prova directa de que a existência em si mesma não tem valor, pois o tédio mais não é que a sensação do vazio da existência. Porque se a vida, por cujo desejo consiste a nossa essência e existência, possuísse em si um valor positivo e um conteúdo real, não existiria o tédio: a mera existência encher-nos-ia e satisfazer-nos-ia. Da forma como as coisas são, não temos prazer na existência a não ser quando estamos a lutar por alguma coisa.
Sobre o Sofrimento do Mundo - Schopenhauer [pág. 25 .5]

Inclui-se neste pensamento, de uma perspectiva macro planetária, pode-se ver que o mundo não é movido apenas pelo dinheiro mas pelo tédio de ideias milionárias ou de soluções. O dinheiro é apenas aquilo que surge no fim da produção, é o que mantém o cérebro activo, sempre apontado para um objectivo e não para um prado verde sem tarefas ou obrigações que rapidamente nos levariam à loucura e ao tédio.
Cada um de nós tem a sua personalidade, desenvolvida pelas suas experiências, sempre diferente, mesmo que ligeiramente, de cada um dos indivíduos da nossa familia mais próxima (pai, mãe, irmãos, etc), mas como familia temos uma personalidade que também partilhamos. Temos ideias que desenvolvemos e esmiuçamos em conversas à hora do almoço/jantar ou no carro em viagem. Mas, na nossa rua também existem outras familias, e se nos dermos bem com os vizinhos, começaremos a notar que partilhamos opiniões similares, talvez um pouco diferentes da rua vizinha. A nossa rua partilha uma aldeia com outras ruas, ou uma vila, ou até uma cidade, e como aldeia, vila ou cidade, haverão ideias e opiniões que partilhemos, apesar de todos nós termos localizações geográficas e meio-ambiente familiar diferente, com histórias diferentes.
É então que entram as juntas de freguesia, os concelhos e os distritos, que englobam um conjunto maior de pessoas, de ideias e opiniões (obviamente), englobando tudo isso num só país, que também ele se engloba num conjunto de estados da União Europeia.
Cada individuo trabalha para combater o tédio; Assim como cada familia, cada rua, cada aldeia, cada vila e cidade, cada distrito e país.

"Existem muito mais cultura humanas do que raças humanas, uma vez que umas se contam por milhares e outras por unidades: duas culturas elaboradas por homens pertencentes à mesma raça podem diferir tanto ou mais que duas culturas de grupos radicalmente afastados."
Raça e história - Claude Lévi-Strauss [pág. 7]


Nós somos o resultado do combate ao tédio. Nós somos o produto de uma evolução que nos provocou o crescimento cerebral, de perguntas sem resposta e de provas sem fundamentos (como o fogo queima? Como a água engelha os dedos? Como os pêlos crescem?).
O tédio desenvolve, a menos que a necessidade de sair desse estado seja menor do que a vontade de fazer alguma coisa.

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O sofrimento do mundo...

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