domingo, 31 de agosto de 2014

És um podre...

[- by harequil]

Subiu o banco, recordando as vezes que ganhava altura para roubar os doces do armário. Deu um nó à volta do pescoço e pendurou a corda na viga mais forte da casa. Esticou a corda, levantando-se ligeiramente em bicos dos pés e resistiu à gravidade que os chamava. Chorou, recordando a felicidade inocente que iria deixar para trás, na escuridão. Recordou, sem viver, cada memória que julgava existir no pequeno espaço da sua mente. Mas nenhuma delas tinha realmente valor, pois na morte ninguém deixa nada no mundo a não ser a influencia das emoções ou o trabalho que ajuda a compreender um vazio que nas profundezas obscuras da nossa galáxia não interessaram a ninguém, muito menos ao pó das estrelas ou aos pedaços de pedra flutuantes.
A sua vida era uma tragédia de sonhos fracassados. Uma falsa realidade ao qual tinham por hábito chamar-lhe vida.
-- Faz-te à vida!
Mas qual "vida"? Nasces, ensinando-te desde muito cedo que és especial, que tens valor, que tens capacidades e que deves seguir os teus objectivos, os teus sonhos, as tuas paixões, e acima de tudo, ser feliz e viver cada dia ao máximo. E o que é a vida? É viver? Sobreviver? Uma ilusão da mente que não quer ser esquecida. Um horror aos olhos de quem não quer esquecer a beleza caótica que não vêm e que apenas sabem admirar. Não existem histórias para escreveres. Não existem estradas para percorreres ou caminhos para criares. Não existe nada que possas mudar por ti, e até a vida te é roubada na morte! E a morte... essa tornar-se-à a tua vida, de onde não poderás fugir. Para todo o sempre, ficarás confinado no infinito universo fracamente iluminado, porque até nele nada existe para ser visto.
Não existe vida na tua vida, nem sonhos nem ambições. Não existes, sobrevives, aguardando a única certeza, que será a morte, e mantendo acesa a chama daquele ou daquela que um dia encontrarás, e que te fará a pessoa feliz que tanto mereces.
Mas a corda ao pescoço não quer saber dos teus amores! Não quer ouvir as tua lamentações ou perceber porque choras. Chamaste a morte ao subires ao banco, e agora que ela se apresenta acobardaste? Queres viver afinal? E o que sabes tu de "viver"? Se respirar não te ocupa a mente? Se sentir a água escorrer-te pelo corpo não te transporta para a irrealidade da tua consciência, que dentro de toda a caixa e funil de que foste e és, será a única coisa real e palpável que terás para o resto da tua vida...

Estás sozinho. Deram-te à luz, expuseram-te aos micróbios e bactérias, a um mundo que não conheces e nunca irás descobrir, porque não nasceste para viajar e ser especial. E para sobreviveres neste mundo de horrores, as tuas células, num grito desesperado e instintivo, ensinaram-te a caminhar e mais tarde a correr, para que fugisses. Mas tu és daqueles que se deixou ficar a admirar a natureza das coisas, ao invés de correr atrás de um "sonho".
Os outros, julgam viver, julgam correr, julgam ser felizes, mas o que sabem eles da vida? Os teu podres, só são podres se os vires como tal. Trabalha a merda que cagas, embeleza-a, faz dela uma obra de arte. Transforma aquilo que tens, naquilo que queres ser e não és. Amassa bem a tua matéria prima, e reconstrói a corrida que te ensinaram para fugir da morte. Lê, aprende e ouve. Não fales a menos que seja necessário. Não interajas a menos que seja preciso. Observa e aprende a não errar onde os outros erram. Não, não é só a tua vida que é uma tragédia, a dos outros, muitas vezes parece um filme de terror. E até a aventura daqueles que viajam e se dizem realizados, 90% do tempo, é um tédio que precisa de sentir a adrenalina nos outros 10%, para esquecer a infelicidade daquilo que são. Não és melhor, mas tens-te saído bem! Não tens grande coisa nem és nenhum cientista que salvou milhares de pessoas, mas a razão de não o seres, baseia-se nas variáveis que fazem de ti uma pessoa única. E é por isso que estás a ler este texto enquanto tens a corda ao pescoço e te ergues no topo de um banco com apenas três pernas.
É verdade que não podemos ser todos médicos, nem todos ricos ou professores, porque precisamos de pessoas que limpem as casas de banho do shopping que frequentas, ou que limpem a mesa suja onde te queres sentar a comer com a tua família ou amigos. Ou pessoas que te atendam nos super-mercados, que tomem conta dos teus filhos ou da tua mãe/avó agora numa cama de um lar para idosos, que se sujeitem a limpar a merda e o vómito que tu te recusas a ver e/ou limpar.
Queres ser grande? Queres ser importante? Queres ser rico? Tenho um "segredo"... o esforço e o trabalho não farão tudo, precisas de SER e caminhar como se o fosses! Grande, importante, rico, inteligente, destemido, aventureiro. Mas nunca te podes esquecer de ser humilde e ter respeito por quem te serve.
Mas é claro que também podes ser um granda cabrão e um a granda cabra e fazer o que te apetecer! Trepares por cima de todos, e só parares quando chegares à tua meta.
Ou viveres os teus sonhos de forma tão intensa, que te fará acreditar que tens super poderes ou, por alguma razão, és melhor do que certas pessoas, só porque lês mais, ou tens mais amigos, ou aceitas melhor.

Queres fazer parte da população que se governa ou governareste a ti mesmo? Então começa-te a preparar! Um dia vais ter uma namorada(o), que com o tempo se tornará mais do que isso, e terão filhos. Quando essa altura chegar, como irás governar a tua casa, se não governas o teu quarto e a tua mente?
Manda os outros à merda! Sorri e agradece quem te serve. Não precisas de amigos, nem de cunhas, precisas de um apertar de mão forte, de um argumento confiante e de uma personalidade que não vacile.

Mas agora, o melhor que tens a fazer é saltares do banco e esperares que a próxima vida seja melhor...

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