sábado, 23 de agosto de 2014

A centelha da evolução...


Com o punho fechado sobre um osso, atacou o chão, quebrando-o sobre umas pedras. A força do impacto vibrou-lhe pulso acima, contaminando todo o braço como uma fraqueza. A brisa quente bateu-lhe no pêlo com mais força e o Sol escondido pelas nuvens atacou-o fulminantemente nas suas costas. Olhou para trás, desconfortável, bloqueando a luz com a sua mão e viu pairar à sua frente, uma montanha colossal que se rodeava de pequenos reflexos à medida que girava devagar e descia com fogos ardentes na sua base, sobre o solo verde e fresco. O chão tremeu, agitando o animal que se agarrava ao osso com a vida, com o ar que lhe faltava nos pulmões, com o medo da terra debaixo dos pés que não podia controlar... gritou e esbracejou, tentando afastar tamanho monstro, ao mesmo tempo que tentava ganhar coragem para se manter no local, agora coberto por um nuvem de pó.

A presença daquele objecto gigantesco, desconhecido à vista dos olhos ainda em evolução, parecia adormecer, num som gutural leve, continuo, como uma buzina, permanecendo nos ouvidos daquele animal ainda apavorado. Sem esperar, foi atingido no peito por uma nota ligeiramente mais aguda, seguido-se outra e outra, construindo uma melodia desconhecida. Um som pouco elaborado, fácil de ouvir, como uma canção de embalar. De repente, um grito estridente. Não, não era um grito, era uma criança a rir. Seguiram-se outras, formando um aglomerado de felicidade, criando na mente do humano actual, a imagem de dezenas de crianças a brincar no recinto de um infantário. Gradualmente, os risos silenciaram-se, seguindo-se uma ausência profunda de sons. O animal bufou, balançando os ombros sem sair do sítio.

Je t'aime!

Ouviu-se, suave, delicada e feminina. O animal endireitou o tronco, puxou os ombros para trás e olhou de frente a bola de luz que lhe surgia, pairando no ar, dirigindo-se a si. Assustou-se.
Por entre o brilho, apareceu um corpo pálido, caminhando sobre as duas pernas. Uma fêmea, alta, loira, de olhos grandes e azuis com um sorriso ligeiro no rosto. Nua.
O anjo luminoso susteve a marcha à frente do símio, e este a respiração, observando hipnoticamente aquela mulher que se erguia acima da sua cabeça, desprovida de pêlos e de garras, trazendo um perfume convidativo junto ao seu órgão genital, que se rodeava de uma pequena pelugem.
Outra voz surgiu por trás daquela figura misteriosa:

My love, my beautiful creature...

Abriu a mão, deixando o osso escorregar-lhe pelos dedos e aceitou a da fêmea. O caminhar do animal tornou-se mais estável e forte, à medida que se afastava da árvore que lhe dera abrigo e se aproximava da bola de luz. Esticou o braço e o um dedo. Encolheu-se receoso, olhou a fêmea com um sorriso na cara e os olhos dele brilharam. Tocou então a bola de luz e uma calma percorreu-lhe os músculos. Não estava com sono, mas sentia-se calmo, como uma epifania que não sabia compreender.

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Não estava para publicar este texto, mas aqui fica uma experiência...

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