quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Uma sombra...



Caminhava devagar, como uma sombra moribunda de uma árvore sem vida, ao vento da noite. Num corredor iluminado pelo luar, sujo, sem vida, deserto... O silêncio sentado a um canto, ouvia com atenção o assobio entre o vento e as folhas, o chiar dos troncos e os sons ocos da inclinação das árvores velhas. Cansadas e sem vontade de brincar.
Uma sombra escura e invisível que não tinha a companhia do seu dono. Que não podia espelhar, copiar e envolver-se narcisicamente com os seus movimentos mecanizados. Perdida no tempo, sem consciência do que era, sem corpo ou cor, sem ouvidos e dedos. Impossível de tocar e comunicar com o reino destruído por si, na sua mente, através do seu pensamento derrotista, controverso, critico, injectados na mente do seu próprio ego, pelo seu próprio Eu. Envenenado, atraiçoado...

Aprisionada numa caixa descontrolada, desprovida de palavras ou gestos carinhosos. Uma luta infinita, esperneada desde o inicio da vida, agarrada e atirada ao fúnebre poço da tortura distorcida irrealista, sacudida com a violência gratuita do ódio que se impregna em cada beijo falso, cada olhar sem vida, cada carinho sem desejo de amar e fazer feliz. Uma faca que rasga a pele, invocando a dor de um fio enferrujado pelo tempo da solidão. Que lhe degola o fôlego rápido e transpirado da mesma maneira que as memórias enrugadas se rasgam, desfiam e desafiam os olhos lince da ditadura que viu crescer, morder e beliscar o seu sensível coração de emoções.

Um fôlego de passe acelerado, sem correrias ou pressa de chegar, mas de ganhar no que não acredita. Medo das mãos cruéis, carrascas e espinhosas, da amada que sonha e deseja em quadros e paisagens imaginadas de tirar o fôlego, que o acordam da epifania platónica de um beijo ardente e um olhar que o prende, que o faz sonhar dentro de um sonho. Uma sinfonia de cheiros que não pode cheirar, de uma vida que não é real, num sonho mágico, desejoso de morrer nele e nela se embalar.
Aninhado num recanto escondido da luz, invisível no campo de visão, onde todos lhe mijam descansados e escondidos, descomprimindo sem saberem, os difíceis tabus que lhe caminham pela mente controlada, mas não por eles.

Uma gota de água salgada escorreu-lhe pelo rosto, caiu na face da mão e ficou imóvel, como um globo de vidro. Não era uma lágrima, pois o sentimento profundo que lhe apertava os ossos, ficava dentro de si, num fumo espesso entupindo de quando em vez, os olhos, os ouvidos e o nariz, da realidade cruel e injusta que emergia do mundo social, construído para ver o ser humano cavar a sua própria cova e enterrar-se com toda a sua glória animal e instinto proibido, na profunda fenda de manipulações subliminares.

Vergada do terror medonho, perfurado e enroscado na parede como arte contemporânea, que todos gostam de olhar sem saber e precisar de entender. Uma sombra escondida por trás de um quadro abstracto, onde o diferente é proibido, e a imitação permitida...

Chora mas não voes, pois o dia desta curta vida, ainda agora saiu da praia. Não desesperes, a tempestade não tarda a chegar, e com ela, como uma doença, serás engolido na morte e para sempre escondida na escuridão da tristeza daquilo que não fizeste. Uma sombra infeliz sem poder para escrever, aprisionada na própria mente de um deficiente indesejado e repugno. O ar que respiras, não é teu, e a vida que te persegue, não é por ti, é dos outros.

Não passas de uma sombra... porque as sombras não devem ter opinião... e se tiveres, serás como a brisa numa floresta sem vida.

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