quarta-feira, 29 de junho de 2022

À descoberta de Germil - 3º dia de caminhada (8KM)

[Germil - Perdido no monte - 8km]

The Interrupters - Take Back The Power

A manhã começou com a vontade de fazer a mesma volta que fiz no primeiro dia, mas ao contrário; Foi na aventura que decidi tomar, nos riscos que me pareceram "fáceis" que me perdi a tentar subir o primeiro monte.
Passei, com um toque de aventura e medo, um riacho escondido entre espinhos e vegetação densa rasteira. Atravessei com sucesso o vale que era separado pelo rio e ao avistar a encosta que me levaria ao cume do outro monte onde no primeiro dia explorei.
Inicia a demanda cheio de energia e confiança, mas à medida que o me aproximava do cume, era obrigado a desbravar terreno por mato denso, ervas e arvoredo mais alto que eu, e pedras que não conseguia trepar, a coisa foi piorando à medida que forçava a subida entre espinhos que me cobriam até cintura, incapaz de ver o chão que pisava. Fiquei com os pés encharcados e as pernas a gritar de dores pelos espinhos, numa questão de minutos. Quando percebi que não havia forma de subir, que não havia caminhos, nem pedras, nem terreno mais liso e arvoredo rasteiro, entrei em pânico.


Não fazia ideia onde estava mesmo tendo a estrada e as casas ao longe como pontos de referência. Tinha que descer e voltar a passar pelo mesmo inferno que foi subir. Não queria desistir, mas voltar a terreno seguro era a melhor opção. A meio da "derrota" ainda dei um trambolhão, acabando no meio das silvas que por sorte não me picaram, mesmo ficando de pernas para o ar. 

Depois de voltar ao inicio da primeira aventura desenfreada mato a dentro e encosta acima, voltei a aventurar-me por outros caminhos menos traiçoeiros, mais fáceis de percorrer.

Apercebi-me, com a derrota e o pânico, que a natureza não tem leis, nem castiga, não espera nem derrota.
A natureza simplesmente existe e vive, independentemente de quem se aventurar nela.
Fui até onde ninguém iria e isso deixa-me orgulhoso com uma mistura de medo e dores, já que o joelho e a canela continuam doridos.
Não me arrependo de me ter aventurado com o risco de me perder ou ficar lá preso e magoado, pois estava ciente dos riscos, porque sabia que combater esse medo e enfrentar esse desejo, essa vontade, essa energia, e de receber em troca algo que não consigo de forma alguma controlar na minha vida. Porque subir uma encosta de mato grosso e impossível de trespassar não é o mesmo que enfrentar um colega de trabalho ou um cliente chateado. Naquele momento de pânico, a culpa não era de ninguém a não ser minha, e até mesmo essa culpa eu não fiquei com ela. A vontade de enfrentar o desconhecido e o desconforto do que não controlo foi maior do que ter "caminhado pelo seguro".

"Para a frente é que é Orlando!"

À descoberta de Germil - 2º dia de caminhada (9KM)

[Rota - Percurso Germil - 7km]

Aproveitei o 2º dia para estar mais um pouco na cama, acabar de ver um filme, e esperar pelo padeiro que só chega à aldeia pelas 10 horas.
Tomei o pequeno-almoço, arrisquei ir ao Intermarche mais próximo para comprar algo doce para que ajudasse a dar-me um pouco mais de alento neste mundo quase vazio. Comprei tudo o que estava na lista, menos as molas para a roupa e os fósforos...

às 14h00 preparei-me e saí com destino à rota de Germil de +/- 7km. O que ao início parecia uma rota fácil, tornou-se numa verdadeira aventura, onde de um momento para o outro me vi consumido por arvoredo e silvas tão altas como eu durante algumas dezenas de metros. Não fosse mais corajoso e teria desistido à primeira.
Aproveitei o tempo que tinha para me aventurar em caminhos não marcados, para que pudesse fazer mais alguns kms ou percurso maior, mas aquela parte da montanha tinha sido conquistada por silvas, ervas rasteiras ou arvoredo alto e forte. Por muito esforço que eu fizesse, não conseguia avançar mais do que 2 ou 3 metros. No entanto, foi gratificante puxar os limites do meu conforto um pouco mais, tendo sempre a segurança como primeira prioridade.



Os últimos 3kms do percurso, apesar de terem sido feitos por estrada, foram muito mais difíceis do que estava à espera devido ao Sol. A mochila já pesava nos ombros e as costas davam sinal de cansaço.

Não sei o que o dia me espera amanhã, mas sinto quase como se já tivesse comprido esta aventura. Resta saber se é um sentimento interno de realizado pessoal alcançada, ou se é o meu ser, habituado ao mundano, ao fácil, à rotina a dizer-me num pequeno sussurro, que está desconfortável neste "novo" tédio.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

À descoberta de Germil - 1º dia de caminhada

[Germil, Ponte da Barca, Portugal]
MÚSICA CELTA - Piano, Flauta - CALMARIA #034

O peso da solidão, ao longo da noite do primeiro dia,  que se fez mais fria do que o esperado, foi-se levantando. Enrolado em cobertores mais pequenos que eu mas que ajudaram a enfrentar o vazio e o silêncio de Germil.

O silêncio durante a noite, acompanhado pelo sino falso feito de megafones, foram a minha companhia, até ser recebido por um cão bege, de uma mistura de Lavrador, de pata da frente (direita) no ar e a de trás com uma ferida no joelho. Mais tarde percebi que era quase tudo fita para ter comer requintado porque rejeitou um pedaço de maçã que lhe tentei dar, tão depressa como apareceu.

A vontade de subir a encosta cresceu durante a tarde de ontem e a noite do dia seguinte. Estava decidido em desbravar terreno, fosse ele qual fosse, para chegar ao topo do monte mais próximo. Meti-me a caminho, acompanhado de silêncio, sem saber que estrada tomar, sem conhecer percursos, rotas, passagens. O objectivo era chegar lá acima, e cheguei, várias vezes, entre mato grosso, silvas e pedras.


O silêncio acompanhou-me durante toda a viagem, mas preferia que um poeta o tivesse feito. Que um pintor e um músico recriassem a obra desta magnífica natureza. Paisagens, ecossistemas, animais, plantas, que constroem este lugar rochoso, quase inóspito, num dos locais mais tranquilos que tive o privilégio e a sorte de visitar. Em certos momentos, sentia-me percorrer a Terra Média do Senhor dos Anéis.

Durante a caminhada de reconhecimento e na tentativa de chegar a um novo topo, ergui os olhos para contemplar a paisagem e deparei-me com uma cavalaria (grupo de cavalos), castanho-escuro, a comer o que o solo lhe proporcionava e a mim transformava o passeio numa aventura. Fiquei alguns minutos a apreciar, e decidi segui-los, sem medos, sem entraves, mesmo que ficasse longe da civilização, o importante era aproveitar o momento. Percorri mais 1km atrás deles até mudar de direcção para tentar descobrir caminho e voltar para casa, e ao longe bem perto do topo, dois bois enormes com cornos ainda maiores que me fizeram apreciar o animal a uma distância segura. A imponente cabeça ergue-se com o olhar fixo em mim e decidi continuar o meu caminho.

Com o passar do tempo, o peso da solidão foi desaparecendo. O peso do medo, do desconforto, do incontrolável, da tristeza. Apesar de longe do conforto da cama, da aldeia e de caminhos marcados, não me senti perdido, nem desconfortável. Estava finalmente a ter a aventura que sempre quis mas que nunca tive tempo. Pude arriscar. Pude viver, ao meu ritmo, ao meu gosto, sem horas, sem prazos.


Agora que a noite se aproxima, anseio o Padeiro que só trás pão às Terças, Quintas e Sábados pelas 10h00.
O tapete que trouxe tem dado muito jeito ao lado da cama. Faltou trazer uns chinelos, meias quentes, molas para pendurar a roupa, algo doce para dar mais conforto ou desconforto e dores. Os wraps (fiambre, queijo, frango e alface) e a fruta têm sido uma salvação, e faço questão de ter sempre duas latas de atum e garfo para emergências. 1L de água chegou perfeitamente para os 10km que percorri hoje, e ao fim da caminhada as pernas e os pés já gritavam para parar. Foi fantástico! Foi maravilho! É magnífico!
Fazer isto sozinho é incrível, mas com boa companhia, é transcendente!

domingo, 26 de junho de 2022

A solidão onde sempre vivi e que sempre me controlou...

O projecto QuotaGest deu-me a oportunidade de conhecer o Sr. Carlos Moreira da Associação Péd'Rios em Germil, Ponte da Barca, Portugal.
Numa primeira conversa fiquei a saber que o Sr. Carlos utilizava o meu programa e ele que eu era o programador por trás de todo o projecto. Rapidamente trocámos cartões de visita/publicidade do nosso trabalho. Foi então, que depois de um ano fechado em casa, e problemas que se tornaram autênticas bolas de lava, que decidi lutar contra esta solidão onde sempre vivi e que sempre me controlou.
Arrisquei, enviei email, marquei cinco dias de férias no albergue e esperei mais de um mês para iniciar esta nova aventura.

Depois de ter feito 210km, 2h de viagem, o jantar, preparar o lanche para a caminhada de amanhã e me deitar na cama, apercebi-me de que faltou trazer o essencial: boné/chapéu, meias quentes e garfos.

Introspecção
Sinto o peso do silêncio à minha volta enquanto descanso deitado num colchão com cobertores improvisados.
Estou sozinho, acompanhado apenas pelas fotos e mapas nas paredes, de colchões vazios e a escuridão lá fora.
Com o pôr do sol quase no fim, a encosta começa a cintilar de luzes, como uma procissão e festas que aparecem devagar para alegrar a aldeia neste canto remoto perto da fronteira com o norte de Espanha.

É aqui, no meio de tudo e do nada, do silêncio que tem peso, de um silêncio que sussurra levemente apenas o som do vento e dos pássaros. Uma solidão externa, fora do que sou, onde a consciência é transportada para cada célula do meu corpo. Sinto-a em cada parte do meu corpo como um lençol molhado, à temperatura ambiente, sem peso suficiente para me enterrar o corpo, nem leve que não o consiga sentir nos pêlos que me cobrem.

Tenho ainda em mim o medo que me controla. Um controlo manipulador da minha liberdade, do meu espírito. Carrasco das minhas aventuras, dos meus sonhos, dos meus desejos, das minhas conquistas.
Trago ainda preso, acorrentado às paredes do meu cérebro, talvez até faça mesmo parte das paredes e da gelatina de todas as sinapses de pensamentos e sentimentos que me formam, o controlo desmedido pelo que não posso nem consigo controlar.

Esta é a primeira etapa da minha experiência na verdadeira solidão. Acompanhado apenas por mim mesmo, com os meus monstros, medos e desejos.