domingo, 28 de maio de 2017

Disseram-me que não podia correr...

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Disseram-me que eu não podia correr com os homens. Que as mãos das mulheres não eram grandes o suficiente para agarrar o punho da espada, e que os braços não tinham força para a erguer sobre a cabeça.
Fora feita para cuidar da casa, das crianças, da comida, dos velhos, dos animais, mas não para a guerra.
-- As mulheres lutam de maneira diferente.  -- disse o meu marido. -- Lutam cada vez que dão à luz. Carregam um pequeno milagre que um dia se tornará numa dona de casa ou num lutador.
Porque nos damos nós mulheres, ao trabalho, de cuidar e acarinhar um filho, se ao fim de 18 primaveras, se não fôr mais cedo, o vêmo-lo partir para uma guerra que poderá não o trazer de volta? Se ele vai por mim, sua mãe, eu quero ir por ele, e por todas as mulheres que não podem acompanhar os seus filhos nesta corrida sem retorno.

Ao vestir a cota de malha por cima da pequena blusa, senti as chicotadas rasgarem-me as costas. O frio do metal apertava-me os ossos e tornava tensos os músculos "frágeis", mal treinados, dos meus braços. O cabelo atado em puxo aquece-me num bafo incómodo as costas. Quando eu vestir tudo o resto, e o elmo me cobrir a cara, bastará não dizer uma única palavra e todos pensarão que serei mais um deles. Talvez um agricultar das terras vizinhas, ou um jovem ajudante de padeiro.

Disseram-me que as batalhas são feitas e travadas entre homens. Deste lado da fileira, não imaginam que uma mulher lhes vai arrancar a espada e o escudo das mãos. Quando descobrirem quem sou, Liliane, mãe de cinco filhos e duas filhas, irão fugir! Irão sentir o grito de guerra nos seus ouvidos.
Hoje eu marcho ao lado de pais e avós.
Hoje eu marcho por eles e pelos meus filhos.
Hoje lutarei pela liberdade.

O dia começou...


Saio do trabalho, meio-dia, sábado. O sol toca-me na pele, aquece-me pelos braços despidos. Hoje sinto-me inspirado.
Desejoso por chegar a casa e ver-te de mangas arregaçadas, debruçada sobre os tachos a fumegar. Ansioso pelo teu sorriso e o olhar cansado, de quem pede um carinho, um mimo, um beijo e um abraço.
Passo a mão no teu rabo, subindo gentil com as pontas dos dedos por cada nó de osso nas tuas costas e delicio-te com um beijo de saudade.
Enrolo-me de abraço no teu corpo, e deslizo as mãos sobre as tuas, lavando as mãos com as tuas, no escorrer que me acalmava a vontade. Beijo-te de novo.
Nas pernas sinto então umas mãos pequeninas, enchendo a casa de gargalhadas e risos pequeninos. Os caracóis mexiam com rebeldia enquanto o corpo se colava ao meu, com saudade, com amor, da mesma forma que eu me agarrava a ti.
Apanhei-a no meu colo, assim como quem pega num bebé, e enchi de beijos o que nos era tão especial; tão traquina; tão irrequieto.
Acabaste a louça, mexes-te o tacho fumegante e correste para nós, já sem avental, já sem os olhos cansados, já sem a tristeza no rosto.

O sol atravessa a sala conquistada por bonecos. Os desenhos lutam na caixa mágica e os pais sobre o sofá. Tenho saudades de ti, amor. Tenho saudades do tempo.