quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Adoro ouvir-te, ver-te e cheirar-te... [3]




-- Leve o que quiser mas não faça mal à minha filha! -- chorou ranhosa a mãe ofegante. A tensão arranhava-se pelas paredes com o desespero a sair-lhe pela boca. As mãos trémulas daquela mulher escondiam a filha por trás de si; Os cabelos, a criança, mas não desligavam o som do seu choro. Um choro infantil, amedrontado. Harmonioso, caloroso, feminino, tresandava a medo, aflição, pedia carinho e atenção. Crianças... adoro-as!

A escuridão escondia-me a cara e a lâmina brilhava ténue com a luz de um relâmpago. Sentia-lhe o som, a vibração, o peso. Apertei com força o cabo e as luvas denunciaram-se, num tom que se assemelhava ao esticar de uma corda. Olhei para o lado esquerdo e numa fracção de milisegundos calculei a distancia da minha mão direito ao móvel, a altura, o angulo, e cravei com força a faca naquela madeira reluzente, velha e escura. Parte de uma colecção antiga que os teus pais, abastados, compraram num leilão de um palacete à venda. Bonito móvel não haja dúvida, mas faz-te velha! O som ecoou pelos ouvidos das duas ovelhinhas, que as acordou num sobressalto.
Caminhei sobre os cacos da porta e as duas meninas enroscaram-se uma na outra de tal forma, que por momentos julguei que a mais pequena se tinha enfiado debaixo da cama. Incapazes de se mexerem, com a falta de coragem que é tão característico desta espécie animal, a fêmea, deixaram-se estar, a chorar e a agarrarem-se mutuamente. A pequena olhou para mim com um olhar tão profundo de horror e medo que qualquer pessoa dita normal seria incapaz de lhe bater ou ralhar. Mas eu não... Aquela expressão de terror entrava pelo meu cérebro a toda à velocidade, seduzindo-me, provocando-me. Senti uma forte chapada no rosto. A mãe galinha erguia-se e empurrava-me para longe da sua "mais que tudo", e desmanchei um murro no seu estômago. Caiu na cama, testemunhando um rapto breve da sua filha. Agarrada pelos braços, com as pernas a pontapear tudo o que conseguia, tranquei-a no armário, onde cobardemente, e fora do tempo, gritou em plenos pulmões e esmurrou com corpo de rapaz, a porta do guarda-fatos e um pedido de ajuda que avançava à velocidade de um caracol.

O pedaço de mulher estendia-se na cama, quase inconsciente e sem forças, vestida, mas não por muito tempo. Aquelas cuecas de renda, que fazia combinar com o sutiã eram a roupa que lhe ficavam melhor naquele momento. Transpirava de sensualidade. Os cabelos ondulados e o olhar de carneiro-mal-morto tornaram-se um convite. Levantei-a.
As mãos à volta do pescoço engasgavam-na. Fiz-la olhar no espelho, aterrorizada, para deslumbrar e intoxicá-la com a sua própria expressão que tanto contrastava com o meu pequeno sorriso de olhos brilhantes.
-- Olha. Até borrada de medo és linda! -- fechou os olhos, chorou, soluçou, amedrontou-se. As mãos desapertaram o ragote, segurei-lhe nos cabelos compridos, junto à testa, enquanto a outra sentia a sua própria saliva deslizar-lhe através daquela traqueia tão bonita. Um pescoço feito de ceda, de luxo, enfeitado com um laço vermelho.
O olhar dela criava uma pressão no ar, que crescia e se ia sentido pesar naquele quarto iluminado pela tempestade lá fora. As lágrimas que lhe caiam pela cara já vermelha intensificavam o ambiente cada vez mais angustiante. Estampava-se nas bochechas rosadas, a aflição da morte, que lhe descia pelas goelas como uma grande nó em seco difícil de engolir, de respirar.


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