quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Um dia de cada vez...


O seu nome era Laura. Passeava sozinha de casa à escola. Pelo caminho apanhava um comboio e um autocarro até à universidade onde estudava.
Era calada, não tinha amigos, e as raparigas não lhe ligavam nenhuma. Gostava de passar despercebida, de acelerar o passo ou ficar perdida a olhar para as pombas na estação. Ver a chuva cair ou o sol aquecer-lhe o corpo. Adorava que os cabelos lhe cobrissem a cara, escondessem os seus sorrisos e os seus medos. Sentia-se uma frasco, um invólucro. Uma caixa semi-transparente. Permitia apenas que parte de si sai-se para fora, e toca-se nas pessoas que eram dignas de a ouvir, de a conhecer, de a sentir.
Sentava-se sozinha, de cabeça baixa, sem falar para ninguém. Era uma estranha conhecida. Era uma estranha para todos os que apanhavam o comboio com ela, mas todos a conheciam.
O seu olhar perdido na natureza, na vida das coisas, longe do mundo social, esventrava quem passa-se por ela; e num desejo de lhe tentarem ver o rosto, a postura e o seu caminhar distinto, podiam apenas ser apresentados aos seus olhos castanhos vivos.
Laura adorava vestir meias compridas, de correr pela casa só de cuecas e sem sutiã. Atava o seu cabelo em rabo de cavalo a um puxo vermelho. Atirava-se para a cama e devorava livros de fantasia, ao som das músicas mais melódicas que conseguia arranjar na internet. Ou talvez liga-se a televisão nos canais de documentários, pulando de alegria sempre que uma suricata surgia no seu pequeno ecrã. Não precisava de sair do quarto para se envolver com o mundo lá fora, de certa forma, até bastava abrir a janela em frente à sua secretária, logo depois da cama, que poderia respirar o ar do seu amplo jardim, ouvir os pássaros cantar, voar entre os ramos e ver as folhas cair com o vento, ou ouvir a sociedade reger-se pelos horários claustrofóbicos.
Nas noites de chuva, deixava as cortinas abertas. Fechava-se no quarto, trancava-se na cama e esperava que o silêncio rapidamente fosse conquistado pelo som do vento e da chuva. Da trovoada. Desejava que surgissem os relâmpagos para a assustar, para lhe iluminarem o quarto morto, vazio, incolor. Para iluminarem a sua vida.
Sair de casa, para ela, significa poder vestir vestidos que a mãe e ela escolhiam com tanta demora nas lojas de roupa mais baratas. Calçar os sapatinhos, sentir as ancas com as suas mãos e olhar-se ao espelho, narcisando-se, adorando-se, gabando-se. Piscava o olho a si própria e pensava para si "sou bonita!". Bastava apenas sair da porta do seu quarto e toda a sua mente se revoltava. Transformava-se numa Laura irreconhecível perante os seus pais, que todos os dias tentavam penetrar nas suas emoções, mas desde sempre que estavam a ser afastados. Preocupavam-se com as fotos que a sua filha de 21 anos espalhava pela parede do seu quarto. Pessoas chorosas, crianças tristes e adultos em sofrimento. Todas com uma profunda tristeza enraizada nos seus rostos ornamentados por cabelos desfeitos.
Com o tempo, deixara de tomar o pequeno almoço em casa, o almoço na escola e só saia do quarto para ir jantar. Comia bem, e talvez fosse isso que mantinha os seus pais mais descansados. Existia uma "rotina", uma farsa rotina.

Estava no inicio da sua descoberta, no inicio da sua aventura. Sabia-o mas desconhecia que nome dar àquele sentimento tão... único, estranho.
Perguntassem-lhe o que mais adorava, e facilmente responderia que era poder andar sozinha, estar sozinha, olhar as pessoas. Ver os animais, serem animais. Inclinar a cabeça e interrogar-se do que o horizonte lhe proporcionava.
Adorava a dor, a tristeza, o choro, o negativismo, a depressão, a fragilidade, o borbulhar de emoções. Tal como adorava sorrir, rir, partilhar, correr, passear e ser despida em olhares, pelos rapazes e raparigas. Adorava crescer, aprender, enganar-se e errar. De sonhar e desistir, ou perder.
"Se não estiver preparada para errar, não aprendo, não cresço nem evoluo."

-- Estarei aqui, até ao dia em que deixares de acreditar em ti mesma.
Laura olhou a sua mãe e tentou perceber o que lhe tinha dito. Quando deixa-se de acreditar em si mesma,  a sua mãe abandonava-a?
-- Quando esse dia chegar, estarei ai, ao teu lado. És minha filha, és do meu sangue, e nunca te abandonarei, mesmo que nos abandones a nós.
-- Mãe?
-- Diz filha.
-- Vai doer?
-- Estarei lá quando tudo começar.

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