quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O que uma vez brilhou...



A tempestade aproxima-se e podes ouvir os trovões embaterem no chão que me cobre a cara, que transforma memórias em lembranças, em mágoas, em dor aguda que te aperta o peito. Um coração que se entorse e se encolhe num esqueleto frio, rígido e inerte de sentimentos. Uma face pálida como a lua, que te ilumina num foco perturbador. Um raiar de pensamentos depressivos e suicidas. De sorrisos espalhados pelo chão, de um cérebro com as paredes pintadas.

Folhas caídas sobre o meu túmulo, decoram em vão a raiva que te arrasta a alma à morte, num corredor longo, em conversas curtas com a morte. Mãos trémulas com a saudade de serem entrelaçadas, beijadas, acariciadas. Um olhar perdido na terra escura. Um olhar que perde ao piscar, as cores que iluminaram o teu pequeno mundo.
O teu peito recebe uma memória lançada pelo teu coração, e gritas sem som, à imagem que te perdura na mente. Numa mente triste e sacudida.
Acredito que voltarei para ver as tuas lágrimas desfazerem o mundo. Ao olhares todas as noites a cara dos nossos meninos, e uma vontade de fazeres as malas, saltares do banco e caíres nos meus braços. Deixares tudo para trás, tal como fazes os cabelos voar ao vento, ou as lágrimas cair.
Lembrares-te do meu choro, do meu sorriso, da minha sensibilidade e teimosia. Fazeres crescer duas flores sem a oportunidade de verem o Sol, e de mostrarem à lua que ela só poderá brilhar se o tiver como companhia.

Quando tudo cair sobre ti, as memórias não passarem de fotografias, as noites agarrada ao teu amor um comprar de perfume, as crianças correrem para os teus braços e conseguires ver nos seus tristes olhitos, as palavras que te desgastam, que te fazem ruir como um castelo de cartas, num poço.
-- Tenho saudades do papá, mamã.
-- Eu também filhotes. Eu também...
Abraça-los então com força, na esperança que lhes consigas dar o mesmo abraço com carinho e ternura que  lhes dávamos todas as noites.
Deixares escapar da garganta seca um choro descontrolado. Num aperto forte, proteges-os das memórias que nunca deveriam ter. Do sofrimento que nunca deveriam sentir. Mas não podemos fazer nada... a não ser ensiná-los a lidar com o que mais magoa, com os que os faz chorar.
Olhas-te ao espelho todas as manhãs, à espera que apareça por trás de ti, com aquele sorriso que te faz enfrentar melhor o dia. Que faz o teu coração reconhecer como somos bons pais, que amamos e damos amor. Mas não há nada no quarto que se torna vazio a cada dia. Um quarto que se enche de fotografias, retratos, cheiros e livros.
Sentares-te à mesa, ligares a televisão nos desenhos animados e os três ficarem entretidos com um vazio, num vazio pintado por cores que não vos existe, não vos desperta, não alegra e que só entristece. A comida desliza devagar, mastigas, porque queres aproveitar os poucos momentos que tens com eles, para sentires a minha presença na sua maneira de te falar, de te tocar ou de te olhar nos olhos e saberem... que estás só, por dentro, mas não na tua vida.

A casa ficou mais fria, o comer deixou de ter sabor. Deitas-te na cama e agarrada à almofada, pensas nos nossos filhos. A tua mente voa em recordações chorosas e embrulhos sem sorrisos, de olhares e lágrimas, cúmplices da saudade.
-- Tenho saudades tuas... meu papá.
-- Eu também meu amor, eu também...
-- Ainda não te consegui deixar ir.
-- E eu nunca te larguei...
O anel ilumina-se com a lua, olhas as estrelas, a chuva, as árvores ao vento e os relâmpagos competirem forças no oceano que é agora e sempre foi, o teu. O nosso.
-- Abraça-me papá, tenho medo!
-- Estou aqui.

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