quinta-feira, 7 de março de 2013

As cores desapareceram...



Na noite em que deixei de ver as cores na flor que se espreguiçava timidamente perante o mundo, a minha alma enforcou-se na dor de um ódio que me sufocava furiosamente a garganta engasgada pelo sofrimento da perda de uma amiga imaginária. Uma fantasia que sabia ser real. Um sonho repetido, uma e outra vez, fazendo-me dançar em volta da terra rebentada pela vida mais insignificante com o qual a minha pequena caixa se podia juntar, criar amizade e uma história que não podia ser escrita, lida ou embelezada.
Perdi o mundo, a minha mente, desisti dos meus sonhos, rasguei a folha de objectivos e tornei-me em mais um objecto inanimado numa casa, num quarto sem saber o que era eu ter amigos, uma amiga. Conhecia de cor e salteado o meu choro, as músicas e as caras que lhe mostrava por baixo das máscaras que usava na rua, ou diante dos meus pais.

Desceram dos céus os deuses, proclamando com as suas ferozes e penetrantes vozes: "Estás morto!". Sem ajuda, enforquei-me diante de mim. Tremi e engoli em seco, de medo, apavorado das torturas inimaginárias que poderiam ser desenhadas para mim. Uma chicotada nas costas. Um golpe profundo nas mãos, para que toda a vez que der a mão a alguém, me seja doloroso e não caloroso. Uma fenda tão profunda que arraste comigo, até a alma mais alegre e brincalhona. Que rebente em fúria o corpo de uma mente sem forças. Um fraquejar arrepiante, provocador de cócegas nos músculos, que me façam sem querer, suicidar o pouco que resta daquilo que não sou.

Uma fechadura que se enferruja e se perde no tempo, de um nascimento que deveria ter sido aborto. Perfurada pelo desejo quente e viscoso de um homicídio indesejado, ao invés da paixão platónica pelo futuro epifénico infinito de ver crescer um algo que não lhe pertence. Nem a si, nem à vida. Como um recordar dos poucos e raros momentos em que era pequenina e sentia a areia quente e curiosa debaixo dos seus pezinhos, fugindo das ondas imensamente pequeninas. De recordar o sol bater na cara, a mãe colocar o creme meticulosamente e saborear um bom pão com tulicreme.

Tornei-me num objecto, que ocupa desnecessariamente espaço e ar. Que exige alimento, conforto e carinho. Uma pessoa que não tem nada para trazer nem para dar, que espalha por todos em que toca, a infelicidade de o conhecerem. Não sabe falar nem estar.

Desenhei algures no peito uma cruz com o marcador vermelho seco e sem tinta que encontrei perdido no topo da prateleira sobre a minha cama. Rasguei a carne e saboreei a dor. Quase como um Swirl de Caramelo da Olá. Deixei a música penetrar-me os ossos e percorrer o curto corredor dos meus ouvidos. Gritos, berros, força que me impulsiona, que me enche de sopros o peito inflamado. Mas que me alivia dos ombros, o fardo dos erros e a cruz das incompetências.

As cores desapareceram, e eu deixei de espalhar enjoo.

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