domingo, 24 de dezembro de 2017

Eu recordo-me...


Eu recordo-me...
Tinhas as mãos bonitas.
Recolheste os meus passos, entre os dedos compridos, e o meu andar virou de cabeça para baixo.
Nunca foram o suficiente para decidir por mim o caminho a seguir na estrada, ou na vida... foste o iman que calibrou a minha bussula.
Deambulando pelo mundo, encontrei-te.
Tinhas uma roupa tão bonita.
Eu recordo-me...
Tinhas uns lábios perfeitos que adorava beijar. Saborear.
Despir-te, nua, até à alma, desenhando um traço envenenado na pele suave, por onde escorria a saliva que me saia entre os lábios, sobre cada osso, cada músculo, cada pêlo.
Soltei da masmorra o assassino, o monstro, o demónio fantasiado, acorrentados e amordaçados. Em silêncio aguardaram o teu corpo, cuja vergonha te penetrou como um rei, no meio de gemidos abafados.
O teu olhar era brilhante.
Eu recordo-me...
Um espectador, aguardado a próxima fala, o próximo acto de uma peça que se desenrolava em cada palavra, cada gesto, cada olhar nos teus olhos.
Foram eles o meu maior crítico. O consolo de ternura. As saudades e o desejo.
Vi neles os nossos momentos, nesse ultimo adeus em que a terra queimava, em que o sonho ardia em cinza, preparando o luto, a doença.
Eu morri e tu viveste.
Uma felicidade inacabada.
Eras linda.
Eu ainda me recordo...

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